Título: Projeto muda suspensão de leis inconstitucionais
Autor: Alessandra Paz
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Constituição Proposta de Marco Maciel dá poder discricionário ao Senado

Tramita no Senado Federal um projeto de resolução no mínimo polêmico e que, se aprovado, pode causar uma crise entre os poderes Legislativo e Judiciário. De autoria do senador Marco Maciel, o documento dá nova redação ao artigo 388 do regimento interno do Senado com o objetivo de enfatizar o caráter discricionário da atuação da casa no processo de suspensão da execução de leis consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, a proposta pretende que o Senado analise a conveniência ou não de suspender leis cuja inconstitucionalidade já foi declarada pelo Supremo. Segundo Maciel, a atual redação do artigo 388 tende a induzir a interpretação de que a edição de uma resolução suspensiva de uma lei considerada inconstitucional por parte do Senado se trata de um ato vinculado - ou seja, obrigatório - não sujeito a um juízo político de conveniência e oportunidade pelo Senado Federal. "Minha iniciativa é para acabar com a incerteza jurídica por meio de uma norma clara que dê conseqüência às decisões do Supremo", afirma o senador. A proposta estabelece que, lida em plenário, a comunicação ou representação do Supremo será encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, que, se julgar conveniente e oportuno, formulará um projeto de resolução suspendendo a execução da lei no todo ou em parte. Ainda de acordo com texto da proposta, a CCJ poderá promover consultas e audiências públicas para elucidar e avaliar os impactos da medida sobre os diversos interesses envolvidos. "Se quer conferir ao Senado um poder discricionário que ele não tem", diz o professor de direito da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), Oscar Vilhena Vieira. Compartilhando da mesma opinião, o professor de direito da Universidade de São Paulo (USP), Virgílio Afonso da Silva, não vê sentido na proposta. "A última palavra nos casos de controle de constitucionalidade é do Supremo", afirma. "Com esse projeto, o Supremo perde a sua razão de existir no sistema judiciário brasileiro." O constitucionalista Luís Roberto Barroso concorda com a proposta do senador quanto à discricionariedade da competência do Senado. "Porém, hoje em dia, isso é um anacronismo, pois em muitos casos, as decisões do Supremo possuem uma eficácia vinculante", diz o jurista, que cita o exemplo da súmula vinculante, criada pela Emenda Constitucional nº 45, que estabeleceu a reforma do Judiciário, em dezembro do ano passado. "Esse projeto vai na contramão da tendência do sistema jurídico." Hoje, somente o Supremo pode declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei. Nesse caso, a tradição brasileira, desde a Constituição de 1934, prevê a comunicação da decisão da corte ao Senado, orgão competente para suspender, no todo ou em parte, a execução da lei declarada inconstitucional. A providência está no artigo 52, inciso X da Constituição de 1988. Segundo Barroso, a intervenção do Senado pode ser facilmente explicada. O controle incidental e difuso brasileiro se baseou no modelo americano. Porém, no direito anglo-saxão, as decisões dos tribunais são vinculantes e isso é válido especialmente para os julgados da Suprema Corte. "Desta forma, o juízo de inconstitucionalidade formulado, embora relativo a um caso concreto, produz efeitos gerais", diz. Já o sistema brasileiro, continua o jurista, não atribui eficácia vinculante às decisões judiciais, nem mesmo às do Supremo. "A outorga ao Senado de competência para suspender a execução da lei inconstitucional teve por motivação atribuir eficácia geral, 'erga omnes', à decisão proferida no caso concreto", diz Barroso. O professor Afonso da Silva vai além. Segundo ele, quando o Supremo não quer dar efeitos gerais à sua declaração, usa instrumentos para decidir que a lei é inconstitucional somente para aquele caso concreto. "Ora, nesses casos, é claro que a decisão vincula apenas as partes, porque não é, de fato, uma declaração de inconstitucionalidade", diz. No entanto, afirma o catedrático da USP, ao declarar determinada lei inconstitucional sem restrições ou qualificativos, o Supremo tem por objetivo a declaração da inconstitucionalidade da lei em abstrato e para todos os casos. "Aí não cabe ao Senado discutir sobre a conveniência ou não dessa declaração." Afonso da Silva ainda afirma que se o Senado pudesse decidir pela não suspensão da execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo, ele estaria, de fato, legislando.