Título: Cafeicultor colhe benefícios de fase favorável dos preços
Autor: Mônica Scaramuzzo
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2005, Especial, p. A12

Cenários Transferência de ganhos na exportação ajuda economias locais

Na pequena cidade mineira de Campos Gerais, as vendas de eletroeletrônicos e eletrodomésticos subiram nos últimos meses. A cerca de 35 quilômetros dali, em Alfenas, a comercialização de veículos novos também cresceu nos primeiros meses do ano. Os sinais são de aquecimento da economia na região, atribuído à cafeicultura - que depois de uma crise de preços que se estendeu por quatro anos voltou a se recuperar. As duas cidades estão no coração do sul de Minas, uma das principais regiões produtoras de café do Brasil. Desde julho do ano passado, com a alta dos preços do café no mercado internacional, o setor recomeça a se capitalizar aos poucos. Mesmo que as cotações da saca ainda não tenham atingido os patamares desejados pelos cafeicultores, é difícil sustentar que a cafeicultura é um mau negócio neste momento. Hoje, na bolsa de Nova York, o preço do café está 36,71% maior que no mesmo período do ano passado; em relação à média dos últimos quatro anos, a cotação atual é 77,82% superior. O bom desempenho das vendas brasileiras ao exterior - que cresceram 60% em receita nos primeiros sete meses deste ano - já levou os exportadores a rever os números para 2005. A expectativa é que os embarques atinjam entre 26 milhões e 27 milhões de sacas neste ano, ante uma expectativa inicial de 23 milhões. A receita, antes estimada em US$ 2,4 bilhões, poderá chegar a US$ 2,8 bilhões. Em 2004, o volume embarcado foi de 26,3 milhões de sacas, com receita de US$ 2,03 bilhões. "Quando o café está bem, toda a economia vai bem na cidade", diz Mauro Pereira, gerente da Eletrozema, do grupo mineiro Zema. A loja de móveis e eletrodomésticos foi inaugurada em julho do ano passado em Campos Gerais, estimulando uma concorrência na cidade sobretudo com a loja Edmil, de um grupo mineiro que também atua no ramo. As duas registraram crescimento médio das vendas da ordem de 40% no primeiro semestre deste ano em relação a igual período de 2004. Fábio Dias Tomé, gerente da filial da Edmil em Campos Gerais, diz que, em época de colheita, os trabalhadores rurais são os principais clientes e que os índices de inadimplência atualmente estão baixos. O café sempre foi o eixo econômico do coração do sul mineiro. Os cafezais já predominavam em Campos Gerais antes mesmo de a cidade ser emancipada, há 104 anos. Com cerca de 30 mil habitantes, o município também ganhou neste ano sua primeira universidade, como informa Joaquim Geraldo de Carvalho, prefeito da cidade. Carvalho lembra que a cidade não tem indústrias, o que torna o café a principal atividade econômica. Os cafezais de Campos Gerais são ocupados por pequenos agricultores - mais de 90% do total -, segundo Tarcísio Rabelo, presidente da Cooperativa dos Cafeicultores de Campos Gerais e Campo do Meio (Copercam). Durante a crise, parte deles também apostou na pecuária de leite e no milho. A cooperativa reúne 1.850 associados, dos quais 220 também são fornecedores de leite. "Não dá para dizer que o café está ruim nestes últimos meses", concorda Renato José Vitório, 37 anos e cafeicultor há cinco anos. Com o lucro de sua última safra, cultivada em uma pequena propriedade de 12 hectares, Vitório pôde investir em um trator - usado - e ainda fazer compras para sua própria casa. "Troquei os móveis neste ano". Em setembro, ele vai para Aparecida do Norte, em São Paulo, pagar promessa pelas graças alcançadas. Em Alfenas, a economia local também está aquecida. Mas o perfil da cidade, com cerca de 80 mil habitantes, situada do outro lado do rio Furnas, é bem diferente de Campos Gerais. Predominantemente formada por médios e grandes produtores, entre os quais a Fazenda Conquista, do grupo Ipanema Coffees, os cafeicultores mais capitalizados preferem trocar seus carros por modelos novos. Com 160 hectares de café em Alfenas, o cafeicultor João Lázaro Pelloso, 48 anos e há 30 nos cafezais, recebeu este ano um prêmio de US$ 30 mil por seu café de qualidade em um concurso promovido pela italiana Illycafé. Com o bom desempenho da safra, pôde trocar seu carro e o da esposa, sem precisar mexer no dinheiro do prêmio. Mas, assim como o cafeicultor Vitório, de Campos Gerais, Pelloso decidiu investir em sua lavoura. Duas das três concessionárias de Alfenas consultadas pelo Valor confirmaram que houve aquecimento de demanda por conta do bom momento da cafeicultura. Jean Carlo Marques, responsável pelo departamento de vendas da Auto Alfenas, concessionária da Volkswagen, informa que nos primeiros quatro meses deste ano as vendas de veículos novos cresceram 39%. "Cerca de 60% de nossos clientes estão ligados à cafeicultura", calcula. Na Nova Rumo, concessionária Chevrolet, as vendas cresceram 20% de janeiro a junho. A orientação da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé (Cooxupé), com uma filial na cidade de Alfenas, é que os produtores paguem suas dívidas e façam investimentos nas lavouras e evitem se descapitalizar. Os custos, lembra, estão em torno de R$ 180 por saca. "O investimento tem de ser em tecnologia, não em aumento de área", observa Remo Gouveia Franco, engenheiro agrônomo da cooperativa mineira. A região de Alfenas e Campos Gerais é conhecida pelos bons índices de produtividade, que giram em torno de 20 sacas por hectare. Gouveia Franco lembra que, na atual safra, a colheita brasileira em geral será menor por conta do ciclo de baixa produtividade do café. Segundo a Conab, com isso a produção nacional deverá somar 33,3 milhões de sacas, 16,4% menos que em 2004/05. "Os produtores têm de ter cautela. O momento não é de ampliar área, mas de renovação de lavouras", alerta Franco. E a renovação está de fato acontecendo. A filial da Cooxupé - que responde por uma área total de 75,412 mil hectares na região de Alfenas e outros oito municípios - está renovando 22% de sua área, ou 17,09 mil hectares. Nos últimos anos, no máximo 5% da área era renovada. Por conta das sucessivas crises de preços, intercaladas por problemas climáticos, os produtores passaram a ser mais prudentes em seus investimentos em tempos de preços aquecidos. João Luís da Silva, 42 anos, cafeicultor de Campos Gerais, comprou mais 3 hectares para somar aos seus atuais 12 hectares, mas não deverá investir na expansão de café. Ele decidiu esperar um pouco mais antes de tomar uma decisão. Durante a crise - marcada pelo fracassado plano de retenção de oferta no mercado internacional, liderado pelo Brasil - apertou os cintos e resistiu como pôde com seu pequeno rebanho de 25 cabeças de gado de corte. "Primeiro estou pagando as dívidas". Nivaldo Maximiano, de 42 anos, 30 deles na lavoura, também contornou a crise plantando milho e feijão. Maximiano também tem um pequeno rebanho de gado de leite e é servidor público. O cafeicultor trocou seu Fusca por um carro usado menos usado e retomou investimentos nas lavouras. Mas ele não deixou de adquirir um pequeno luxo: uma TV de 29 polegadas. "Antes, café aqui valia ouro. Hoje não é mais assim", diz a comerciante Maria Antônia Araújo Pereira, de Campos Gerais. Dona de uma loja de tecidos, de uma loja de roupas e de um hotel, Maria Antônia afirma que os trabalhadores das lavouras de café costumavam fazer suas compras um ano antes quando se projetava uma safra abundante para o ano seguinte.