Título: Bombril, um conflito de 1.001 lados
Autor: Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2005, Empresas &, p. B6

Disputa societária Guerra nos bastidores pode prolongar administração judicial, que já dura dois anos

A disputa intensa travada há três anos pelo controle da Bombril pode estar perto de um desfecho na Justiça, com o leilão da empresa ou uma decisão que permita concretizar acordo fechado em princípio entre os sócios. Fazem parte dessa disputa um empresário que tenta reaver seus ativos; um grupo que comprou a empresa, mas não pagou integralmente e está sob intervenção da Justiça na Itália; um advogado que rompeu com seu cliente; e uma administração judicial que foi pedida, mas não é mais desejada pelos controladores. As antigas e emaranhadas conexões entre os personagens ajudam a compor uma das mais complexas histórias de conflito societário no país. O imbróglio começou quando, em 1988, dois filhos do fundador da Bombril, Roberto Sampaio Ferreira, venderam suas ações para Sergio Cragnotti, então controlador da italiana Cirio. O terceiro dos filhos do empresário, Ronaldo Sampaio Ferreira, ficou na companhia, mas em 1995 decidiu seguir os irmãos e alienar sua participação, equivalente a um terço do capital votante, para a Cirio. Alegando ter recebido apenas 5% do combinado, e após tentar em vão que lhe fosse pago o restante, em 2002 foi à Justiça cobrar a dívida da Cirio, que soma hoje R$ 600 milhões. Um ano depois, com a ajuda de seu então advogado Augusto Coelho, conseguiu afastar os italianos e colocar em administração judicial a Bombril, fabricante de produtos de limpeza. Também em 2003, a Cirio sofreu intervenção na Itália, após Cragnotti ter deixado de honrar títulos da empresa. O controlador foi afastado e os ativos do grupo começaram a ser liquidados para pagar credores - o que abriu caminho para uma solução na Bombril. Em novembro do ano passado, Sampaio Ferreira e os interventores italianos chegaram a acordo pelo qual a Cirio daria ao brasileiro o controle da Bombril para quitar a dívida. Sampaio Ferreira teria direito a 100% das ações ordinárias porque era uma garantia prevista, em caso de inadimplência, no contrato fechado com Cragnotti. O entendimento fechado em 2004 entre Sampaio Ferreira e a Cirio evitaria que a empresa fosse a leilão - o que está programado para acontecer neste ano. Porém, uma discordância em torno dos honorários do advogado do empresário inviabilizou o acordo. Augusto Coelho recusou-se a assinar o documento na tentativa de receber 20% do valor da causa, ou cerca de R$ 120 milhões. Posteriormente, a Justiça arbitrou seu pagamento em R$ 70 milhões. Mas nem a Cirio, a quem caberia honrar os honorários, nem Sampaio Ferreira aceitam pagar sequer esse valor. Depois desse episódio, o empresário destituiu Coelho. Com o fracasso dessa tentativa, em abril deste ano Sampaio Ferreira e o grupo italiano firmaram novo pacto: pediriam o fim da intervenção judicial e dividiriam a gestão da Bombril até que conseguissem formalizar um acerto definitivo. A proposta foi levada à Justiça, que a aceitou em primeira instância. Mas o advogado entrou em cena novamente e, em liminar, obteve as ações ordinárias como garantia dos honorários. Coelho quer ser pago com recursos advindos do leilão de venda da Bombril, pleito que está em análise no Tribunal de Justiça de São Paulo.

"A administração judicial exerceu seu papel, mas não é mais necessária", afirma Sampaio Ferreira

A soma dessas circunstâncias inusitadas resultou numa das mais longas intervenções judiciais em empresa privada no país, hoje perpetuada à revelia das partes originalmente em litígio. Sampaio Ferreira acusa a administração judicial de ter criado vida própria. A equipe indicada pela Justiça vem tocando o dia-a-dia da empresa com a missão de recuperá-la, e, para tanto, vem tomando decisões estratégicas mesmo sem o respaldo dos acionistas majoritários de direito. Embora o destino da Bombril possa mudar a qualquer instante nos tribunais, a administração judicial tem, por ora, o usufruto das ações ordinárias, o que lhe dá independência para agir. "A administração judicial exerceu seu papel, mas não é mais necessária. A empresa precisa ter um dono. Enquanto não se decide se (a Bombril) é da Cirio ou minha, os dois deveriam compartilhar", diz Sampaio Ferreira. O prolongamento da intervenção e a liminar obtida pelo advogado surpreendem os encarregados da liquidação da Cirio na Itália. "Nunca pensamos que o Judiciário diria não a um acordo entre credor e devedor", afirma Agnelo Aiello, comissário da Justiça italiana. Uma das razões pelas quais o empresário e a Cirio querem evitar a continuidade da administração judicial e o leilão da empresa é óbvia. Se a Justiça concordar com a reivindicação do advogado, ele terá prioridade no recebimento quando forem vendidas as ações em leilão. De olho nesse dinheiro, a própria Bombril entrou na fila para abater do resultado da venda um crédito de R$ 207 milhões contra sua controladora, a Bombril Holding, pertencente à Cirio. Segundo a diretoria da Bombril, os créditos referem-se a empréstimos feitos entre 1998 e 2002. Os recursos que sobrarem depois disso serão de Sampaio Ferreira. "Grande parte do crédito eu não vou receber, se receber alguma coisa. As ações ordinárias da Bombril não valem muito", diz. O empresário, que hoje atua no setor imobiliário, afirma que é o único credor da Bombril e que seu ex-advogado tem direito a uma parcela do que receber. Coelho, dono de um escritório de advocacia junto com sua mulher, não comenta o assunto. Outro motivo para credor e devedor pleitearem o fim da intervenção é que eles não têm mais controle sobre a Bombril. Os representantes de Sampaio Ferreira nos conselhos de administração e fiscal foram afastados no ano passado, quando o administrador judicial, José Paulo de Sousa, fez uma mudança total nos quadros da companhia. A alteração foi concluída em maio deste ano, quando Waldir Sant'Ana Dias, ligado a Cragnotti, deixou o conselho de administração. Isso ocorreu após uma divergência sobre a renovação de contrato com o Trendbank, credor da Bombril desde os tempos de Cragnotti. Os representantes de Sampaio Ferreira defendiam a extinção do acordo, mas a administração judicial optou por renová-lo. Sousa nega qualquer relação entre a discussão sobre o contrato e o afastamento dos conselheiros. Com as mudanças, foi indicado para a presidência do conselho de administração Valmir Camilo, membro do conselho deliberativo da Previ. No entanto, a direção do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, minoritário da Bombril, diz que Camilo não a representa. Para a presidência executiva foi nomeado José Edson Bacellar Jr. - consultor que chegou por indicação do conselheiro de administração Valder Vianna.

Conselheiros foram substituídos para blindar a companhia, ressalta Bacellar, presidente da Bombril

Bacellar diz que o afastamento dos representantes de Sampaio Ferreira, Cragnotti e Cirio teve como objetivo blindar a gestão. "Aquilo estava trazendo o conflito societário para dentro da Bombril", diz ele. "Era improdutivo." Com sua equipe, Bacellar tem se empenhado em mostrar que a empresa está se recuperando. Fazem parte da estratégia a retomada dos investimentos e campanhas de marketing, uma peregrinação junto a investidores e uma superexposição na imprensa. Segundo ele, a diretoria dedica-se apenas ao dia-a-dia e não tem interesse na disputa judicial. "Para nós, quem vai ser acionista da Bombril é imaterial." No entanto, o executivo não se furta a fazer comentários sobre o caso. Ele diz que o grupo ligado a Sampaio Ferreira tem contado "meias verdades" e que o empresário pode facilmente encerrar o litígio se pagar os honorários que Coelho pede. "Até novembro, o doutor Coelho venceu tudo para o doutor Ronaldo", diz Bacellar. Em entrevista ao Valor, gravada com seu consentimento, Bacellar destaca inúmeras vezes a qualidade dos serviços prestados por Coelho a Sampaio Ferreira, como a justificar o direito do advogado aos honorários pedidos. E indica manter estreitos vínculos com Coelho ao contar que sabia do teor de conversa entre jornalistas do Valor e o advogado. Da mesma forma, o diretor-gerente do Trendbank, Walter Maciel, em conversa gravada com o jornal, demonstra ter conhecimento de entrevistas feitas pelo Valor com a Bombril. Em reunião com analistas de investimento, da qual a reportagem participou, Bacellar distribuiu o texto "As 1001 vidas da Bombril - Um case brasileiro de recuperação judicial". O documento faz uma cronologia sobre os dois anos de intervenção. Um dos itens diz: "Também em maio, o conflito entre os ex-controladores e a administração judicial vem a público, com o vazamento de documentos confidenciais da Bombril sobre pagamentos feitos a Ronaldo Sampaio Ferreira em 2001 e 2002. Sampaio Ferreira continua a exigir a destituição da administração judicial, com uma 'guerra de liminares' contra o advogado Augusto Coelho". O conteúdo do dossiê mencionado foi publicado em reportagem da "Folha de S.Paulo". De acordo com Sampaio Ferreira, a Newco - empresa sua com sede nas Bahamas - recebeu de Cragnotti pagamentos referentes a parcelas da dívida. O Valor não teve acesso a esse material confidencial. A guerra de versões é uma das faces da disputa. Dossiês repletos de insinuações explosivas e municiados por diversos dos envolvidos circularam nas redações dos principais jornais e revistas do país. O acesso às informações sobre o caso é limitado porque quase todos os processos referentes à Bombril correm sob sigilo judicial. Sampaio Ferreira afirma que pedirá o fim do segredo de Justiça. "É uma empresa enorme e de capital aberto", diz ele. "Alguém quer esconder alguma coisa?", questiona.