Título: Uma longa novela e seus personagens
Autor: Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2005, Empresas &, p. B7

Disputa societária Administradores, credores e advogados já tiveram contato com Cragnotti e Garnero

Na linha de frente e nos bastidores da disputa pela Bombril, emerge uma intrincada teia de personagens - administradores, advogados e credores - que têm ou já tiveram algum tipo de contato com o ex-controlador da Cirio, Sergio Cragnotti, ou com o dono da Brasilinvest, Mario Garnero. Conforme noticiado no ano passado pelos jornais italianos "Il Sole 24 Ore", "Corriere della Sera" e pela revista "L'Espresso", ambos estão sendo investigados pela promotoria da Itália por suposta participação num esquema pelo qual Cragnotti recompraria ativos da massa falida da própria Cirio como sócio oculto de uma empresa chamada Cylinder, que teria entre seus acionistas Mario Garnero. Ao longo dos últimos quatro meses, o Valor fez entrevistas, levantou documentos e fez pesquisas na Justiça, no Banco Central (BC) e na Receita Federal para descobrir quem são as empresas e pessoas-chave nesse negócio. As relações entre esses personagens são apontadas como razão de desconforto pelo ex-acionista da Bombril Ronaldo Sampaio Ferreira. José Paulo de Sousa, administrador judicial da Bombril e quem hoje controla, de fato, a empresa, fez carreira no BC como liquidante de instituições financeiras - entre elas, o Brasilinvest, de Garnero. Sousa tornou-se administrador judicial, quando Sampaio Ferreira pediu a intervenção, por nomeação da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. O desembargador Carlos Stroppa foi um dos magistrados que votaram a favor da escolha de Sousa. Agora, também terá um dos três votos no julgamento do processo em que o empresário pede o fim da administração judicial, após acordo fechado com a Cirio. O desembargador foi advogado da Brasilinvest e de Garnero, nos anos 80. A filha de Stroppa, Milena, é diretora de desenvolvimento de novos negócios da Brasilinvest. Em entrevista ao Valor, Stroppa diz que, como Garnero nunca foi citado nem teve participação direta ou indireta no processo da Bombril, ele não vê razão para se sentir impedido de participar do julgamento. Stroppa observa que, em outra ocasião, se absteve de votar um processo envolvendo uma empresa de Garnero que lhe fora distribuído por sorteio no TJ. "Embora não seja uma pessoa da minha convivência, não tenho senão esporádicas oportunidades de vê-lo e somos apenas pessoas que nos cumprimentamos como quaisquer pessoas que se conhecem", afirma o desembargador. João Carlos Silveira, assessor jurídico da administração judicial e que assina como secretário atas de assembléias da Bombril, trabalhou como advogado para diversas instituições financeiras liquidadas extrajudicialmente no BC por Sousa ou por Valder Vianna, integrante do conselho de administração da Bombril. Também advogou para a Brasilinvest e para a Tevere, empresa do ramo imobiliário pertencente à Cirio. Nos anos 80, Silveira foi ainda advogado de Adolpho Mello, hoje presidente do Trendbank - principal agente financeiro da Bombril desde a gestão de Cragnotti. Ele defendeu Mello quando a Adempar, corretora de valores mobiliários que tinha o empresário como um dos donos, entrou em liquidação pelo BC. Silveira não foi localizado para comentar o assunto. Adolpho Mello, por sua vez, é genro de Geraldo Rondon da Rocha Azevedo, representante legal das empresas Hardsell e Logística, que foram investigadas pelo Ministério Público e pelo BC por suposta participação num esquema de remessa de dólares montado pela Bombril nos tempos de Cragnotti. A investigação, noticiada em julho de 2002 pela revista "Veja", deu origem a um processo que corre em segredo de Justiça na 6ª Vara Criminal Federal em São Paulo. A Hardsell e a Logística são controladas por empresas com sede no Uruguai. O Valor foi até o endereço declarado pelas duas à Receita e à Junta Comercial. Ambas cabem dentro de caixas postais instaladas numa loja da empresa de remessas Post Net, que fica na esquina da Calçada Flor de Lótus com a Calçada das Violetas, no centro comercial de Alphaville, em Barueri , na Grande São Paulo. O Valor procurou Mello diariamente por duas semanas. Em todas as ocasiões, foi informado de que o executivo estava viajando, ao telefone ou fora do escritório. No fim da tarde do dia 18, recebeu uma ligação do diretor-gerente do Trendbank, Walter Maciel. Segundo ele, o Trendbank Fomento Mercantil, uma factoring instalada no Brasil, é credor da Bombril desde 2002, quando ela ainda estava sob o comando do empresário italiano. O Trendbank Limited, com sede no paraíso fiscal de Saint Vincent e Granadinas, tem relacionamento conhecido com a Bombril há pouco mais de dois anos. O banco é qualificado por executivos da Bombril como um "parceiro comercial". Maciel afirma que o presidente do Trendbank e Cragnotti não se conhecem e não tiveram qualquer outro relacionamento comercial antes da Bombril. "Isso é algo que alguém maldosamente e repetidamente tenta fazer e não é para atingir o Trendbank, é para atingir a administração judicial." Sobre a relação entre Mello e seu genro Rocha Azevedo, o diretor-gerente do Trendbank usa a teoria de que existem apenas seis graus de separação entre quaisquer pessoas no mundo. "Tem um site (...) Eu já fiz essa brincadeira e até a Luana Piovani entra", afirma. "Olha que interessante. O Cragnotti era amigo do Mario Garnero, isso é sabido. O Mario Garnero foi dono de um banco. O interventor desse banco é o atual administrador judicial, o advogado do Cragnotti é o atual desembargador da ação. Pasmem, o sócio do Cragnotti era o Ronaldo Sampaio Ferreira; quem fazia as declarações de imposto de renda do Ronaldo Sampaio Ferreira era o Joamir Alves, que foi trazido pelo Trendbank para ser presidente da empresa. O administrador judicial então entrou e o tirou da presidência porque o Ronaldo não gostava do Joamir Alves. Aí você entra num, como diz o Lula, diz-que-me-diz", relata Maciel. Segundo ele, o fato de Rocha Azevedo ser genro de Mello é "mera coincidência". Rocha Azevedo não retornou os pedidos de entrevista do jornal. O administrador judicial também coloca na categoria de mera coincidência as relações entre os personagens, mas admite que ainda tem laços com Garnero. "Sou amigo dele até hoje por causa do trabalho que fiz no Brasilinvest", afirma Sousa. Até maio deste ano, o conselho de administração da Bombril manteve um representante historicamente ligado a Cragnotti. Waldir Sant'Ana Dias renunciou ao cargo em maio, a pedido do administrador judicial. Questionado sobre o motivo de sua saída, Sant'Ana diz já ter encerrado o trabalho que tinha de fazer na companhia, mas não dá mais detalhes. Com a saída dele, o administrador judicial completou um processo de renovação total do conselho da Bombril, que teve início no ano passado. Sampaio Ferreira e a Cirio não têm mais representantes na empresa desde dezembro. "Pedimos que ele (Sampaio Ferreira) indicasse outro representante e ele não quis", afirma o administrador judicial. O advogado Eduardo Munhoz, que trabalha para o empresário, diz que Sousa só abriu a possibilidade de indicar um novo conselheiro depois que Sampaio Ferreira pediu, em janeiro, a destituição do administrador.