Título: Vitória do governo
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 21/04/2010, Economia, p. 20

Com renúncia fiscal, empréstimos a juros abaixo das taxas de mercado e capital de estatais e de fundos de pensão, o presidente Lula vence batalha judicial e garante o sucesso do leilão da hidrelétrica de Belo Monte. Mas um dos sócios já ameaça abandonar o projeto

Durou sete minutos a disputa pela obra mais cobiçada do país. A hidrelétrica de Belo Monte será construída pelo consórcio Norte Energia, que venceu ontem em tempo recorde o polêmico leilão realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Graças a costuras de última hora do governo, as nove empresas associadas ¿ entre elas, a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) e a Construtora Queiroz Galvão S/A ¿ conseguiram derrotar concorrentes de peso como a Vale, Furnas e Eletrosul, ganhando assim o direito de erguer a terceira maior usina do mundo.

Protestos de ambientalistas e de representantes de movimentos sociais e indígenas marcaram a licitação. Ativistas do Greenpeace jogaram esterco na porta da agência reguladora, onde desde as primeiras horas da manhã manifestantes bloqueavam a pista. A guerra jurídica também mobilizou boa parte das atenções em torno do leilão, que só pôde ser iniciado depois que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) cassou uma liminar expedida na noite anterior pela Justiça Federal do Pará.

A concorrência começou às 13h20 e, com apenas um lance de cada um dos lados, foi encerrada às 13h27. O grupo vencedor não foi anunciado porque outra liminar impedia a homologação do leilão e a divulgação dos detalhes. O resultado final só saiu três horas depois. O Ministério Público Federal informou que investigará se a Aneel descumpriu as determinações judiciais. A agência negou qualquer irregularidade e justificou que, quando foi notificada da nova decisão, o leilão já havia sido concluído.

O consórcio Norte Energia superou o único adversário ao oferecer o menor preço pela energia gerada por Belo Monte. O valor de referência definido no edital era de R$ 83 por megawatt-hora (MWh), mas o grupo se comprometeu a vender a energia a R$ 77,97, com deságio de 6%. Assim que o resultado foi anunciado, a Eletronorte formalizou sua entrada no negócio como sócio estratégico. Dois fundos de pensão patrocinados por empresas estatais, provavelmente a Funcef (Caixa) e a Petros (Petrobras), devem reforçar a sociedade.

Melhorias Belo Monte está orçada em R$ 19 bilhões. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou linha de financiamento especial que poderá ser acessada pelo consórcio Norte Energia imediatamente. O banco público poderá emprestar até 80% do dinheiro necessário com prazo de vencimento de 30 anos. O presidente do consórcio vencedor, José Ailton de Lima, avisou que não abrirá mão dos benefícios oficiais. Segundo ele, é possível tocar a obra pelo montante estimado, talvez até menos. O mercado, no entanto, prevê que Belo Monte custará entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões. ¿Cabem muitos aperfeiçoamentos no projeto. Não há nenhuma previsão no momento, mas vamos introduzir melhorias¿, completou.

O governo celebrou o sucesso da concorrência. ¿Temos que comemorar um leilão com uma tarifa dessa ordem¿, disse o ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann. Empreendimento que é uma espécie de cartão de visitas do Palácio do Planalto e que tem servido de plataforma de campanha para a pré-candidata do PT à Presidência da República Dilma Rousseff, Belo Monte é tida como uma grande obra de custo baixo.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, elogiou a disposição do BNDES em financiar quase toda a obra e disse que, com isso, o Brasil se aproxima de outros países na área de infraestrutura. Segundo ele, o contrato de concessão não prevê, por exemplo, que a tarifa seja reajustada. ¿Não existe a possibilidade de o consumidor pagar a mais pelo preço da energia. Esse leilão tem três vencedores: a região, o país e o planeta¿, completou. No início da noite, circularam rumores de que a Queiroz Galvão teria abandonado o consórcio vencedor, mas essa informação não foi confirmada pela empresa até o fechamento desta edição.

Não existe a possibilidade de o consumidor pagar a mais pelo preço da energia. Esse leilão tem três vencedores: a região, o país e o planeta¿

Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética