Título: Exportação já paga 66% da dívida externa
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2004, Brasil, p. A-3
A redução da vulnerabilidade externa brasileira continua em ritmo acelerado, como deixa claro a forte queda na relação entre a dívida externa e as exportações nos últimos anos. Em 1999, o endividamento líquido no exterior equivalia a 3,6 vezes o valor das exportações; neste ano, a proporção deve ficar em 1,5. O número ainda está bem acima do 0,3 a 0,4 registrados por Chile e México, considerados mais seguros pelas agências de classificação de risco, mas a trajetória positiva é nítida. O melhor da história é que o indicador está em queda tanto pelo aumento das exportações como pela queda na dívida externa líquida. A relação é acompanhada com atenção pelos analistas por mostrar a capacidade do país gerar receitas em moeda forte em relação aos seus compromissos externos. "É um indicador muito importante de solvência externa, e houve um avanço expressivo nos últimos anos", resume a economista Idione Meneghel, da Rosenberg & Associados. Para ela, essa trajetória positiva pode levar a novas elevações da nota dos títulos da dívida do país pelas agências de rating. Neste ano, as três principais delas - Standard & Poor's (S&P), Moody's e Fitch - aumentaram a classificação do Brasil em grande parte devido à trajetória do indicador.
O economista-chefe do Pátria Banco de Negócios, Luís Fernando Lopes, ressalta o fato de as exportações estarem em alta e a dívida externa em queda ao mesmo tempo, uma combinação que reforça a solvência do país. Para Lopes, o comportamento das exportações nos últimos anos mostra que de fato houve uma mudança estrutural na economia brasileira. Neste ano, as vendas para o exterior podem atingir US$ 95 bilhões, 30% a mais que o registrado em 2003. Lopes entende que, nos últimos dois anos, as empresas passaram a considerar o mercado externo como estratégico. O aumento das exportações num ano em que a economia deve crescer entre 4,5% e 5% comprovaria a idéia de que a mudança é realmente estrutural. O outro ponto positivo é a queda da dívida externa. Em 1999, o endividamento externo líquido - que deduz as reservas internacionais e os bens dos bancos e créditos de brasileiros no exterior - era de US$ 190 bilhões. Em junho, estava em US$ 144,9 bilhões, segundo o número último disponível. A expectativa de Idione é que o indicador encerrará o ano em US$ 140,25 bilhões. As exportações do ano equivalem a 66% deste valor. Lopes diz que esse movimento é muito importante por indicar que as empresas brasileiras decidiram reduzir seu endividamento no exterior. Nos últimos anos, em momentos em que o câmbio se desvalorizou com força, como em 1999, 2001 e 2002, muitas companhias tiveram problemas para quitar seus débitos externos, principalmente no caso daquelas com receitas predominantemente em reais. Entre julho e setembro, as empresas rolaram apenas 31,7% do valor dos débitos externos que venceram no período. Isso ocorreu não por falta de apetite dos investidores por títulos de companhias do país, mas por uma decisão delas. Desde junho, o governo federal captou US$ 3,73 bilhões no exterior, como notam os economistas do Bradesco. "Não é a restrição de oferta que explica a baixa rolagem, mas sim a falta de demanda do setor privado", escrevem eles, em relatório. "O fato de as empresas estarem bem capitalizadas, utilizando recursos próprios ou financiamentos no mercado interno e o custo da proteção cambial estar elevado explicam a opção por quitar dívida externa", afirmam os analistas do Bradesco, concluindo que a redução na taxa de rolagem é voluntária. O estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, explica que a proteção contra as oscilações do dólar está cara porque o cupom cambial - o juro em dólar no país - está muito baixo, desestimulando captações para ganhar com a diferença entre os juros externos e internos. Lintz avalia que a forte queda da relação entre dívida externa e exportações deve levar não apenas a uma melhora do rating como também a um recuo sustentado do risco-Brasil, atualmente na casa de 470 pontos.