Título: Prefeitos de oposição herdam 74% da dívida
Autor: Ricardo Balthazar e César Felício
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2004, política, p. A-5

Partidos que fazem oposição ao governo federal vão administrar parte expressiva dos recursos disponíveis para as prefeituras no ano que vem. Eles também vão herdar a maior parte das dívidas acumuladas pelos municípios nos últimos anos, o que poderá tornar tensa a relação entre Brasília e os próximos prefeitos. Levantamento feito pelo Valor com informações recolhidas pela Secretaria do Tesouro Nacional sobre as finanças dos municípios indica que PSDB, PFL e PDT terão que administrar mais de R$ 49 bilhões em dívidas, equivalentes a 74% do passivo acumulado pelos municípios brasileiros. Com a vitória de José Serra em São Paulo, o PSDB administrará o município mais endividado do país. A dívida da capital paulista, de cerca de R$ 30 bilhões, equivale a dois anos e meio de receitas da cidade e representa quase metade da dívida total das prefeituras. O levantamento cruzou o resultado das eleições com as informações disponíveis no Tesouro sobre 4,7 mil dos 5,5 mil municípios brasileiros. Os números do Tesouro oferecem um retrato da situação financeira dessas cidades no fim de 2003, mas permitem projetar com bastante segurança a repartição dos recursos municipais entre os partidos a partir de 2005, conforme especialistas consultados pelo Valor. Os três partidos que fazem oposição a Brasília terão controle sobre 45% dos orçamentos das cidades a partir do ano que vem. O PT vai administrar 14% do dinheiro das prefeituras e o PMDB, seu principal aliado e o partido que maior número de prefeituras ganhou nas eleições, terá sob seu comando a gestão de 13%. No fim do ano passado, a dívida de São Paulo representava 2,8 orçamentos da cidade. Hoje, pelos critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal, ela equivale a 2,4 vezes a receita do município. Para enquadrá-la nos limites definidos pelo Senado, ela terá que ser reduzida a 1,7 vezes a receita até maio. Como é improvável que isso ocorra, Serra terá que rediscutir a dívida com Brasília, para evitar que a cidade tenha suas receitas bloqueadas pelo governo. A prefeita Marta Suplicy (PT) passou boa parte da sua administração fazendo gestões junto ao governo federal para garantir um tratamento menos rigoroso para a prefeitura. Mas tudo que ela conseguiu foi persuadir o Senado a adiar para maio o acerto de contas. Na campanha eleitoral, Serra foi evasivo sempre que se manifestou sobre o assunto. Quando falou sobre a dívida do município, o tucano deu a entender que se preocupava mais com os compromissos de curto prazo da prefeitura do que com a renegociação da dívida de longo prazo. Mas o coordenador do programa de governo tucano, Edsom Ortega, afirmou que Serra vai procurar se articular com os prefeitos de outras cidades endividadas para pressionar o Senado a rever os limites impostos ao endividamento dos municípios. Os novos prefeitos também poderão engrossar a pressão que os governadores têm feito para que seja trocado o indexador que atualmente corrige as dívidas de Estados e municípios, com o objetivo de ajudá-los a se enquadrar dentro dos limites legais. Serra certamente tratará do assunto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na primeira reunião dos dois, ainda a ser marcada. A segunda capital mais endividada do país, Salvador (BA), e a terceira, o Rio de Janeiro, também serão administradas por políticos de partidos que fazem oposição a Lula a partir de 2005. De maneira geral, a situação financeira dos municípios é mais confortável que a do governo federal e a dos Estados. A maioria das prefeituras gasta relativamente pouco com pessoal e outras despesas que sufocam as demais esferas administrativas. A maioria está pouco endividada e só algumas têm problemas delicados como os de São Paulo, única capital cuja dívida ultrapassa os limites definidos pelo Senado. Além disso, o reaquecimento da economia nos últimos meses permitirá que os novos prefeitos assumam com mais dinheiro no cofre do que seus antecessores. Até setembro, as receitas das capitais cresceram 12% em termos reais neste ano, calcula o ex-secretário de Finanças de São Paulo Amir Khair, hoje um consultor. Apesar disso, as cidades ainda são muito dependentes de transferências de recursos federais e estaduais, especialmente em áreas como saúde e educação. O levantamento feito pelo Valor indica que essa dependência é ligeiramente maior nas cidades que a oposição vai administrar. Em média, as transferências cobrem 85% do orçamento das prefeituras que o PT conquistou e 87% das que o PSDB vai dirigir.