Título: Centro Celso Furtado quer pôr em xeque o "consenso liberal"
Autor: Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2005, Brasil, p. A4

Será lançado hoje, internacionalmente, em Helsinque, Finlândia, durante um seminário sobre "Globalização e Democracia", o Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, com sede no Rio de janeiro. A iniciativa de criação da instituição é do governo Lula, mas 30 economistas das mais diversas tendências já se filiaram à nova instituição. Maria da Conceição Tavares, Luiz Gonzaga Belluzzo, Bresser Pereira, Tânia Bacellar, Carlos Lessa, Rubens Ricupero, João Sayad e Guido Mantega integram o Centro, que terá financiamento do BNDES nos próximos quatro anos, como adiantou Rosa Freire de Aguiar, viúva de Celso Furtado. Conceição Tavares, da UFRJ, aplaudiu a idéia, pois reconhece que o debate sobre o (sub) desenvolvimento veio em boa hora, apesar das "trapalhadas políticas" que interromperam, mais uma vez, o processo em construção de um projeto nacional para o país. Segundo Conceição, o próprio Furtado considerava o Brasil ainda um país subdesenvolvido, reconhecendo, porém, que mudar tal situação era muito difícil. Segundo seu relato, Furtado viveu o sonho do desenvolvimento com Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. Depois veio o golpe militar (19 64) e a construção do desenvolvimento foi interrompida. Houve longa transição e, finalmente, Lula. "Mas, mesmo com Lula no poder, ele (Furtado) dizia que o raio de manobra da esquerda era muito baixo para tocar um projeto nacional capaz de arrancar o país do subdesenvolvimento", contou ela. A economista até reconhece que apesar da política econômica "ruim", o governo petista estava entrando numa "trajetória boa" para ir aos poucos construindo uma consciência nacional que incluísse socialmente a população através da educação. "Mas, a crise política atrapalhou", constatou. Indagada pelo Valor se estava deprimida com a crise, conforme noticiado, Conceição, foi enfática: "Não estou deprimida, estou com raiva". Seu temor maior nesse processo, confessou, é o fortalecimento das idéias liberais por conta da concepção do Estado como um "Estado corrupto". Ela acredita, contudo, que sempre "sobra alguma coisa", como os avanços da consciência da população em relação a seus direitos e a pressão por mudanças da classe média empobrecida. "Furtado sempre dizia que a luta continua", recordou. Nesse contexto, ela acredita que o Centro Celso Furtado poderá influir no pensamento dos jovens. "Furtado sempre teve esperança de que as futuras gerações pensassem. Será um ato de ressurreição do trabalho dele". Conceição destaca a necessidade de abrir o Centro para estudos mais aprofundados sobre as características do subdesenvolvimento no mundo. Tanto Conceição quanto Luiz Gonzaga Belluzzo defendem a necessidade da instituição colocar no debate econômico uma agenda que vá além das questões que hoje predominam por conta da preocupação com a inflação. "O Centro foi concebido para ser um aglutinador de pesquisas e estudos sobre o desenvolvimento econômico na esteira dos estudos do Celso. Vamos olhar isto a partir de vários ângulos, como países conseguiram se desenvolver a despeito da estratégia global e criaram estratégias nacionais", adianta Belluzzo. Para o economista da Unicamp, o Brasil hoje tem um programa macroeconômico muito acanhado e cresce num ritmo de "carro de boi". O que aconteceu aqui, analisa, não é um problema só dos economistas. "Houve uma desorganização do projeto nacional. O consenso se enfraqueceu e se construiu em torno de idéias liberais de que bastam políticas mais gerais, macroeconômicas, para a economia se integrar e se desenvolver". Tanto Belluzzo quanto Conceição acreditam que a nova divisão internacional do trabalho, a partir do crescimento da China, pode fazer a balança do mundo pender mais a favor de países assemelhados, como Índia e Brasil. Rosa Freire de Aguiar, viúva de Furtado, vai doar a biblioteca do economista para o Centro, bem como seus arquivos.