Título: Cobrança polêmica
Autor: Vera Batista
Fonte: Correio Braziliense, 23/04/2010, Economia, p. 9

Apesar de a legislação proibir a taxação do boleto pelos bancos, a prática segue. A Caixa é investigada sobre a anuidade da OAB/GO

A motorista de van escolar Alexandra Mariano da Silva, do Cruzeiro Novo, reclama do dinheiro gasto a mais: ¿Poderia ser usado em coisas úteis¿ A cobrança dos bancos pelo boleto é uma dupla remuneração pelo mesmo serviço prestado¿ Mariane Guimarães, procuradora do Ministério Público Federal de Goiás A cobrança de tarifa por emissão de boleto bancário(1) é proibida por lei. Apesar da farta legislação contrária ¿ Constituição Federal, Código de Defesa do Consumidor e até resolução do Banco Central ¿, as instituições financeiras continuam desobedecendo a todas as determinações. Não só elas. Respeitáveis representantes do cidadão, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também. Em caso recente, a Caixa Econômica Federal cometeu uma séria irregularidade em Goiás. Foi repreendida pelo Ministério Público Federal (MPF) e alvo de protesto dos advogados locais. A briga com as instituições financeiras já foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Desde 2002, quando a Federação dos Bancos do Brasil (Febraban) suspendeu a taxa, até o Ministério da Justiça interferiu a favor do cliente. Mas essas decisões não impediram que a cobrança por um simples pedaço de papel continuasse com valores exorbitantes, chegando a R$ 10,00 em alguns casos. Cada lado interpreta a mesma lei de forma diferente. A procuradora Mariane Guimarães, do MPF de Goiás, entendeu que ¿a cobrança dos bancos pelo boleto é uma dupla remuneração pelo mesmo serviço prestado¿. O advogado Enil Henrique de Souza Filho, tesoureiro da OAB de Goiás, avaliou que o BC vetou a cobrança de forma geral, sem definir se seria para pessoa física ou jurídica. A Caixa garantiu que cobra apenas o que consta do boleto. Resultado: o BC informou que abriu investigação sobre o caso. A ocorrência ganhou vulto quando a procuradora federal Mariane Guimarães expediu recomendação à Caixa e à OAB, obrigando a suspensão da emissão dos boletos, para impedir a cobrança. No caso, se todos os 100 associados da ordem pagarem os R$ 3,30 por ficha sobre cada uma das 11 parcelas, serão R$ 3.630,00 pagos além da anuidade devida. O MPF determinou a devolução dos valores. No documento, explicou que ¿os bancos já são remunerados pela tarifa interbancária para emissão de boletos¿. E quando cobraram do cliente para executar o serviço, receberam duas vezes pelo mesmo procedimento.

Precedente Em fevereiro, atendendo a ação civil pública no Maranhão, o STJ decidiu contra a cobrança pelo boleto, abarcando, na sentença, os bancos Real, Bandeirantes, HSBC, Banco de Crédito Nacional, Banco do Estado do Maranhão, Banco Rural e Banco do Nordeste do Brasil. A determinação, entretanto, teve alcance estadual. A motorista Alexandra Mariano Rodrigues da Silva, do Distrito Federal, por exemplo, já pagou quase R$ 140 só de taxa de boleto deste 2007, quando comprou uma van escolar em 48 prestações. Moradora do Cruzeiro Novo, ela reclama do dinheiro que tem que gastar com o documento: R$ 3,40 por mês. ¿Poderia ser usado para coisas mais úteis. Comprei o carro de outra pessoa e, ao passar para o meu nome, não imprimiram novo boleto. Continuo pagando o antigo¿, contou. O advogado Rodrigo Daniel dos Santos, consultor jurídico do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), já defendeu mais de 20 milhões de consumidores contra grandes bancos, como HSBC, Itaú e a Financeira Celeten. Ele admitiu, no entanto, que pode haver uma brecha legal na discussão. ¿O custo da tarifa pode ser paga pela empresa e não pelo consumidor. A companhia é obrigada a informar o custo efetivo total . Tem que estar no contrato. A transferência é que é ilegal¿, disse. No caso da OAB de Goiás, Santos acredita que a ordem poderia ter permitido o pagamento em sua sede sem a taxa. ¿O banco receberia o que estivesse no documento.¿

Postagem O tesoureiro da ordem goiana explicou que a taxa e o custo da postagem para o envio do boleto estão previstos no orçamento e no estatuto da entidade. Segundo ele, trata-se de um diferencial para o inscrito. ¿Para evitar que ele se desloque e ainda precise apresentar o comprovante do depósito¿, justificou Souza Filho. Mas admitiu que não pode haver ônus. ¿Anuidade não é um serviço, não existe relação de consumo. A ordem não tem interesse nessa receita. Se está proibido pelo Banco Central, a Caixa não poderia cobrar nem da OAB nem do inscrito.¿ A OAB de Goiás ameaça pressionar a Caixa a retirar de lá todas as suas transações. Em comunicado, o banco federal informou que responderá ao MPF e esclareceu que o serviço de cobrança bancária é caracterizado como um ¿especial¿. Disse ainda que não cobra do consumidor qualquer tipo de taxa. O Banco Central invocou a Resolução 3.518/2007, que proíbe a cobrança, e alertou que é preciso verificar se o relacionamento é entre o banco e o cliente ou entre o banco e a OAB. Por isso, está analisando as providências, ¿não cabendo, no momento, manifestação pública sobre o caso específico¿.

Regras específicas No Distrito Federal, além do Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 4.083/2008 proíbe a exigência de pagamento pela emissão de boleto bancário por parte de imobiliárias, escolas, academias, clubes, condomínios e prestadoras dos serviços de energia, água e telefonia. Na Câmara Federal, tramita o Projeto de Lei nº 3574/2008, do senador Gerson Camata (PMDB-ES), que proíbe a cobrança pela emissão de carnê de pagamento ou ficha de cobrança. O Banco Central, pela Resolução 3518/2007, proíbe a cobrança de tarifa por entender que ela não se enquadra como serviço prestado.