Título: Planalto já atua na sucessão de Severino
Autor: Raymundo Costa, Maria Lúcia Delgado e André Vieira
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2005, Política, p. A7

Crise Governo ainda tenta manter presidente da Câmara, mas traça plano B para colocar um aliado em seu lugar

Ao mesmo tempo em que decidiu atuar nos bastidores para manter o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) na presidência da Câmara, o Palácio do Planalto traçou um plano B a fim de colocar um aliado no cargo, para a hipótese de a saída de Severino se tornar inevitável. O mais cotado é o do líder do governo Arlindo Chinaglia (PT-SP), o único da bancada petista a ainda manter alguma interlocução com PTB, PP e PL, os partidos acusados de envolvimento no "mensalão". A situação de Severino agravou-se nas últimas 48 horas. Já havia algum tempo que circulava entre parlamentares a informação da existência de provas de propina a Severino Cavalcanti. A situação se agravou depois que a "Veja" publicou na internet um documento assinado por Severino em 4 de abril de 2002. Na época, como primeiro secretário da Casa, Severino prorrogou um contrato de licitação para o restaurante Fiorella no Congresso até 24 de janeiro de 2005. Em nota, um dia antes, ele negara a negociação. "A situação se agravou muito porque ele mentiu, e isso é quebra de decoro", observou um líder da base de apoio governista. Situação e oposição agiram rapidamente. Logo no início da tarde foram chamados ao Palácio do Planalto parlamentares da base que atuam na articulação política na Câmara. O ministro de Relações Institucionais, Jacques Wagner, organizou a reunião. O ministro foi encarregado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de tentar preservar a presidência de Severino. Na terça-feira, avaliava-se que isso seria possível, pois não haveria provas de que o deputado efetivamente recebera dinheiro do concessionário do restaurante. Além disso, boa parte do PT, e a grande maioria do PTB, PP e PL seriam contrários ao afastamento do presidente da Câmara, e o PMDB ainda não se manifestou, mas deve se dividir. O próprio Severino avisou à oposição de que está disposto a ir para o "tudo ou nada" na defesa do cargo. Ontem em Nova York, onde está desde terça-feira para participar de um congresso de parlamentos mundiais nas Nações Unidas, Severino negou as acusações e disse não ter receio da representação contra seu mandato junto ao Conselho de Ética: "Da falsidade, nada prevalece. Estou absolutamente tranqüilo". Aparentando tranqüilidade, o deputado disse que tudo seria esclarecido em seu retorno. Severino retorna ao Brasil depois de seu pronunciamento na ONU amanhã. Ontem ele participou ontem de um coquetel oferecido pelo Consulado Geral do Brasil e pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos pelo 7 de setembro. A situação de Severino tornou-se dramática depois que Izeilton de Souza Carvalho, um ex-funcionário do empresário Sebastião Augusto de Buani, um dos sócios do Fiorela, acusou o antigo patrão de pagar R$ 10 mil mensais, entre março e novembro de 2003, ao presidente da Câmara, na época primeiro-secretário. Ontem, Buani reuniu-se com seu advogado para preparar o depoimento que prestará à Polícia Federal. "Instruí meu cliente a falar toda a verdade porque só a verdade liberta", disse o advogado Sebastião Coelho. Na comissão de sindicância da Câmara, segundo o advogado, Buani não admitira os pagamentos porque não havia sido questionado sobre eles. A palavra de ordem no Palácio do Planalto é "discrição", tanto na articulação para salvar o presidente da Câmara quanto no esforço para eleger um aliado, caso Severino se afaste. Na avaliação palaciana, o líder do governo é o nome que reúne melhores condições no momento, por manter bom trânsito na base. O problema é saber se o PT, fragmentado, vai se unir em torno do nome do deputado paulista. Deputados da base governista ouvidos pelo Valor, no entanto, avaliaram que o desgaste do Congresso e dos parlamentares provocado pela crise política exige a construção de um nome comum para suceder Severino Cavalcanti na presidência da Câmara. "Com esse ambiente aqui, ninguém se salva. Temos que pensar num nome da Casa, sem disputa entre governo e oposição", defendeu um líder governista. Várias correntes da base já rejeitariam que o nome venha do PT. O próprio Chinaglia, que foi cogitado para a eleição de fevereiro passado, agora, com a forte tensão política no Congresso, teria chances remotíssimas de ser apoiado pela oposição. Se o nome não pode surgir do PT, também não virá de outros partidos na linha de fogo, como PP e PL. Os governistas, por outro lado, também rejeitam a possibilidade de apoiar qualquer nome do PSDB ou PFL. Um nome do PMDB geraria problemas, pois o Senado já é presidido pelo pemedebista Renan Calheiros (AL). Há uma condição, em todas as conversas: a de um nome "ético". O ex-ministro Aldo Rebelo (PCdoB-SP) tem sido aventado, mas, além de pertencer a um pequeno partido, é testemunha de defesa no processo de cassação do ex-ministro José Dirceu. A sucessão de Severino entrou para as rodas de conversas políticas de forma concreta no início da tarde de terça-feira. Não que o tema ainda estivesse fora da ordem do dia. Havia sim preocupações preliminares, mas ninguém apostava que os fatos se desdobrassem tão rapidamente. Mas na tarde de terça-feira os corredores do Congresso estavam tomados por deputados da oposição, que tomaram a cena e passaram a impressão de que o afastamento de Severino é uma questão de dias. Ontem, a oposição resolveu acertar o passado. Em vez de entrar com uma representação contra Severino Cavalcanti já no dia de hoje ou amanhã, conforme inicialmente programado, decidiu esperar até a próxima terça-feira. Oficialmente, para dar tempo a Severino. Mas também pela expectativa de que o noticiário do fim de semana traga novas denúncias . "Não queremos tocar fogo, mas não vamos ficar silenciando", disse o líder da minoria, José Carlos Aleluia (PFL-BA). PSDB, PFL, PPS, PDT e PV assinam a representação. O grupo tentará o apoio da ala oposicionista do PMDB, por meio de seu presidente, deputado Michel Temer (SP). (Colaborou Jaqueline Paiva)