Título: Fazenda quer corte de tarifas semelhante ao proposto pelos ricos
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2005, Brasil, p. A3

Relações externas Proposta da equipe de Palocci para bens industriais é mais ofensiva do que a do Itamaraty

O Ministério da Fazenda defende uma abertura mais ofensiva do mercado brasileiro de produtos industriais que a oficialmente formalizada até agora pelo Itamaraty nas negociações da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC). A equipe do ministro Antonio Palocci propõe corte de 35% para 10,5% da tarifa máxima consolidada para bens industriais junto ao órgão. Na visão da Fazenda, a redução das alíquotas de importação incrementaria a competitividade da indústria brasileira, ajudaria no controle dos preços e nas políticas de defesa da concorrência. A pedido do Itamaraty, a Fazenda elaborou nota técnica explicitando sua posição sobre as negociações da OMC. O Valor teve acesso ao documento, que circula entre os empresários. Com data de 19 de agosto, a nota foi feita pela secretarias de Assuntos Internacionais, Política Econômica e Acompanhamento Econômico. As negociações da Rodada Doha serão discutidas hoje pelo Comitê de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex). Procurada pelo jornal, o ministério não se manifestou. A Fazenda propõe que o Brasil aceite a fórmula suíça para o corte das tarifas industriais, que é defendida por países ricos, como Estados Unidos e União Européia. Argentina, Brasil e Índia apostam na fórmula ABI, que pondera os cortes pela tarifa média de cada país e resulta em cortes menos agressivos. Na nota, a Fazenda diz que esses países estão em uma posição "isolada" e defendem uma "fórmula de baixa ambição, fortemente protecionista". A Fazenda sugere a adoção do coeficiente 15 para o corte de tarifas, que proporcionaria redução significativa das alíquotas e ajudaria a tornar mais homogêneo o perfil tarifário do país. As simulações do ministério indicam que uma fórmula suíça "perfuraria" 62% das tarifas brasileiras. No jargão da OMC, isso significa que 62% seriam realmente reduzidas. Ou seja, 62% das tarifas consolidadas junto ao órgão cairiam abaixo do nível efetivamente praticado pelo Brasil. Com a proposta, a tarifa máxima consolidada pelo Brasil na OMC cederia de 35% para 10,5%, e a tarifa média, de 30% para 9,79%. A Fazenda defende que haja uma margem de flexibilidade para 5% das linhas tarifárias e apóia período de dez anos para a implementação do acordo no caso de países em desenvolvimento. A queda na tarifa efetivamente aplicada não seria tão expressiva. Na média, a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul sairia de 10,77% para 7,39%. Reportagem publicada pelo Valor em 20 de julho já dizia que o Brasil consideraria reduzir as tarifas de importação de produtos industriais de 35% para a média de 10% nas negociações da OMC. A indicação foi dada pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao negociador americano, Robert Portman, e ao comissário europeu de comércio, Peter Mandelson, segundo fontes européias. Para essas fontes, o corte não seria suficiente, já que o patamar está próximo do efetivamente aplicado no Brasil. Por outro lado, os empresários brasileiros consideram a proposta da Fazenda muito agressiva. "A tarifa é a única forma de compensar a falta de competitividade sistêmica do Brasil", diz Humberto Barbato, diretor de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Ele exemplifica as altas taxas de juros, a pesada carga tributária e a falta de infra-estrutura. "A Fazenda não pode contingenciar o Orçamento e depois cortar tarifas", acrescenta. A Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) também já reclamou do assunto com a equipe da Fazenda. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Paulo Saab, afirmou que "o governo tem que ouvir a indústria antes de tomar uma decisão". Segundo os empresários, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) não está de acordo com a proposta da Fazenda. A equipe de Palocci aponta que os setores automotivo, máquinas e implementos agrícolas e têxtil seriam os mais atingidos pelos cortes de tarifas. Mas argumenta que esses setores "possuem alta proteção tarifária, são competitivos (ou seja, capazes de exportar seus produtos) ou sofrem baixa concorrência de produtos importados". A Fazenda também afirma que, em alguns setores, é alto o grau de concentração, e que houve um aumento da proteção por conta da incidência de PIS e Cofins na importação. No setor automotivo, incluindo autopeças, a tarifa máxima é de 35%, e a média, 23%. A Fazenda argumenta que a proteção efetiva desse setor aumentou de 36% para 96,8% com o início da cobrança dos impostos. Também diz que o volume exportado pelo setor aumentou 58% entre 2000 e 2004, e que as importações representaram, em média, apenas 7,2% do consumo doméstico. No caso de máquinas e implementos agrícolas, a nota técnica diz que o setor é oligopolizado, pois possui poucas empresas de grande porte. Para têxteis, a Fazenda argumenta que houve um aumento da proteção de 12,2% para 21,4% e diz que já foi aprovada uma salvaguarda na Câmara de Comércio Exterior (Camex) contra os produtos chineses. Só que essa salvaguarda ainda não foi regulamentada. O ministério justifica sua posição dizendo que a "política tarifária brasileira pode ser um instrumento de elevação da taxa de crescimento potencial da economia". A Fazenda considera Doha uma oportunidade para essas mudanças por conta das "limitadas" perspectivas de avanços da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e das negociações com a União Européia, e da "inexpressividade" dos acordos bilaterais firmados pelo Brasil. Segundo a Fazenda, as empresas exportadoras tiveram um aumento de produtividade duas vezes maior que as firmas que não exportam e a oferta de produtos importados contribui para garantir a concorrência necessária para a definição de preços no mercado doméstico. "A redução das tarifas de importação é importante complemento de outros mecanismos de defesa da concorrência", diz o documento.