Título: Planalto teme que oposição assuma controle do Congresso
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2005, Política, p. A5

A fragilidade política do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, tem reflexo imediato no governo. O principal temor no Palácio do Planalto é que diante de um quadro de anomia no Legislativo, devido à crise política que se arrasta por quase quatro meses, a oposição tenha agilidade para se articular numa - ainda remota - sucessão de Severino. Cautelosos e de forma reservada, os principais interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciaram no fim de semana avaliações sobre as denúncias envolvendo o deputado. Eles observam atentamente o movimento dos partidos que já pedem o afastamento de Severino. "Se essas denúncias forem comprovadas e o quadro evoluir, está aberta a sucessão e tem que se trabalhar um nome rapidamente", definiu um dos principais aliados de Lula no Congresso, acrescentando que o ponto central é manter o controle da Câmara nas mãos de governistas. Preocupado com o reflexo de mais uma crise, Lula procurou ontem o presidente do Senado, Renan Calheiros, para discutir a repercussão política e a gravidade das denúncias contra Severino. O presidente foi tranqüilizado. Há duas constatações unânimes entre os aliados. Em primeiro lugar, não há hipótese de Severino deixar o cargo espontaneamente. Ele próprio transmitiu essa informação ontem, por telefone, ao líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA). A segunda conclusão é que um processo de cassação contra Severino só prospera na Casa se aparecerem provas contundentes das denúncias de que o parlamentar recebeu propina. "Sem provas, Severino permanece no cargo. Se houver provas, desencadeiam-se forças demoníacas", avalia um credenciado líder da base no Congresso, em tom quase profético. As provas às quais esses líderes se referem dizem respeito à denúncia publicada na revista "Veja" com base em um dossiê que teria sido elaborado pelo empresário Sebastião Augusto Buani. Ele têm negócios na Câmara (rede de restaurantes) e, conforme a revista, atesta ter pago propina de R$ 10 mil por mês ao presidente da Câmara para mantê-los. Buani foi ouvido ontem na Corregedoria da Casa e negou ser o autor do dossiê. Renan também tentou tranqüilizar o próprio Severino. Mas, para manter uma aparente distância da crise, desistiu de acompanhar o presidente da Câmara na viagem a Nova York para participar de um encontro de presidentes de legislativo na ONU. Em nota, Severino declara que pode até "tropeçar nas palavras", mas jamais praticou atos corruptos que possam manchar sua biografia. Considera as acusações "torpes" e inconsistentes e garante que suas secretárias jamais receberam envelopes com dinheiro, conforme diz a reportagem de "Veja". A oposição, que já pediu o afastamento temporário de Severino enquanto se apuram as denúncias, garante que não está de olho na presidência da Câmara. "O PT parece que enxerga essa situação como um ato da oposição contra o governo. Não é. Ninguém que assumir a Câmara vai pedir o impeachment de Lula. Eles que se articulem para, no caso de sucessão, apresentarem um nome do PT ou de outro partido da base. Se tivermos um presidente da oposição na Câmara ele poderá criar um governo de coabitação que dê até mais tranqüilidade ao presidente Lula", analisou Aleluia. Em carta protocolada ontem na presidência da Câmara, líderes do PFL, PSDB, PV e PPS pedem a Severino que ele seja um magistrado neste momento e se afaste da presidência enquanto é investigado. A esquerda petista também avisou que apóia o movimento, assim como o PDT e o PSol, e alguns parlamentares do PMDB. Diante das implicações políticas do caso, os dirigentes do PT, PMDB, PSB e PCdoB mantêm-se distanciados e não vão manifestar nenhuma posição por enquanto. Foi aberta sindicância interna na Câmara para apurar os fatos denunciados por "Veja". "A nenhum magistrado é dado comandar um procedimento no qual possui interesse direto", diz trecho da carta entregue a Severino. A oposição já considera a situação irreversível e coleta dados para fundamentar um processo de cassação contra Severino no Conselho de Ética. Os governistas consideram um paradoxo, uma vez que foi basicamente a oposição responsável pela vitória de Severino. Aleluia conversou ontem com o presidente da Câmara por três vezes. Na primeira, o presidente da Câmara quis se explicar e disse que nunca recebeu propina. Concordou em receber líderes partidários. Na segunda, foi informado que a oposição pediria seu afastamento. Já na última conversa por telefone, Severino disse que não receberia pessoalmente os líderes e não se afastaria. Integrantes do PP respeitados na Casa, como o ex-ministro Francisco Dornelles (RJ), entraram em ação e telefonaram a parlamentares. Pediram aos oposicionistas cautela, pois o afastamento de Severino provocaria um enfraquecimento institucional que não interessa a ninguém. "O PP quer fazer uma blindagem a Severino, o que é impossível", definiu um oposicionista procurado por Dornelles. E o pedido de cautela não partiu só do PP. Também o ministro de Relações Institucionais, Jacques Wagner, telefonou a deputados da base e de oposição. A situação é delicada porque Severino tem-se comportado como fiel aliado do governo, sobretudo após a indicação de Márcio Fortes para a pasta das Cidades.