Título: Ameaça de 2º turno leva Berzoini a buscar votos fora de SP
Autor: César Felício, Caio Junqueira, Sérgio Bueno, Janai
Fonte: Valor Econômico, 09/09/2005, Especial, p. A12

Crise Denúncias afetam lideranças tradicionais do partido e aumentam as incertezas sobre o futuro do PT

Faltando apenas uma semana para a eleição direta à presidência do PT, o candidato do Campo Majoritário, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), começa a correr o país para tentar evitar um segundo turno praticamente certo. O parlamentar tenta se fortalecer longe das bases tradicionais do partido, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, onde perdeu muitos apoios nas últimas semanas. Quase todo o grupo paulista que apóia a ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, migrou para a candidatura de Valter Pomar, da Articulação de Esquerda. Em Recife, o prefeito João Paulo já avisou que seu candidato não deverá ser o do Campo Majoritário. No Rio Grande do Sul, os aliados mais próximos do atual presidente da sigla, Tarso Genro, pertencentes ao grupo Rede, já decidiram votar no candidato da Democracia Socialista, Raul Pont. No Rio, boa parte do Campo Majoritário migra para o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio e Valter Pomar. Hoje, adere ao primeiro o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, como já havia feito o pré-candidato ao governo estadual, Vladimir Palmeira. Mesmo em Minas, onde mantém o apoio das lideranças nacionais, o envolvimento do partido com o esquema de caixa 2 eleitoral em 2004 abateu a militância e tornou o resultado imprevisível. As investigações da CPI dos Correios revelaram saques do secretário estadual de Finanças, Carlos Magno Costa, nas contas do empresário Marcos Valério de Souza. Também vieram à tona saques do tesoureiro da campanha de reeleição do prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel. Somente estes cinco Estados, já correspondem a 55% dos 820 mil filiados aptos ao voto. Os aliados de Berzoini ainda lutam para reverter a debandada, mas o candidato demonstra que prefere entrincheirar-se onde ainda tem bases sólidas. Ontem, estava embarcando para o Pará, o único Estado da região Norte em que será necessário um esforço para garantir a maioria absoluta dos votos. Nos outros seis Estados nortistas, deve ganhar com folga. "Decidi sair em campanha e repassei as articulações em São Paulo para outras pessoas", disse o candidato. Berzoini mostra realismo ao comentar as dificuldades. "Estou chegando na militância agora. Mas esta é uma eleição orgânica, em que as lideranças jogam um papel muito grande. Os filiados têm relações com dirigentes", aposta. "Trabalho para ter o maior número possível de votos, mas não terei dificuldades em enfrentar um segundo turno", completou. O candidato da situação admite como provável até mesmo o descasamento entre os votos que sua chapa conseguir e a sua votação para a presidência. Na eleição petista, o filiado vota separadamente para presidente e na chapa. Pode assim referendar o Campo Majoritário e escolher outro candidato para comandar o partido. Berzoini teria assim que enfrentar um segundo turno, com o Campo Majoritário ganhando na primeira rodada. É exatamente este objetivo que uma ala do partido diretamente identificada com o deputado José Dirceu busca em São Paulo: recomendam o voto na chapa e liberam o voto para presidente. "Isto já aconteceu em eleições no plano regional e poderá acontecer no plano nacional, sem que represente crise alguma. Destacará a importância de um evento que em si já é fundamental, que é o encontro nacional de dezembro", afirmou Berzoini. Em São Paulo, com 23% do colégio eleitoral e coração do Campo Majoritário, é grande a crença entre as lideranças ligadas a Marta de que o segundo turno é inevitável. Integrantes da tendência calculam que o prejuízo político com a crise represente cerca de 20% dos votos dos militantes. Assim, se José Dirceu venceu as últimas eleições do partido com 55% dos votos, desta vez Berzoini não deve passar dos 40%. O fator preponderante nessa quebra da unidade do Campo no PT paulista é a eleição estadual de 2006, na qual Marta e o senador Aloizio Mercadante travam uma luta para disputar as prévias. Uma vitória de Berzoini favoreceria Mercadante e enfraqueceria Marta na disputa interna para a sucessão paulista, daí o afastamento dos grupos martistas da candidatura Berzoini. Como Mercadante e Berzoini demonstraram empenho em excluir Dirceu da chapa do Campo Majoritário, os aliados do deputado também se distanciaram do candidato presidencial do grupo. Construtor do Campo Majoritário nos anos 90, Dirceu mantém silêncio oficial sobre o processo. Segundo sua assessoria, o deputado, que enfrenta processo de cassação, chegou a redigir uma carta aos militantes petistas, mas desistiu de divulgá-la. Confirmou apenas que não deixará de votar na eleição direta. Um dos agrupamentos do Campo Majoritário, formado pela família Tatto, com forte capital político na periferia paulistana, já declarou o voto em Valter Pomar. Os outros dois grupos declararam aos seus militantes o voto em aberto: um deles, denominado Articulação da Capital, é formado por deputados federais do Campo, como Devanir Ribeiro, além de alguns vereadores paulistanos, enquanto no outro está Marta Suplicy, e seus principais ex-secretários, como Vladimir Garreta (Comunicação) e Rui Falcão (Governo). Em situação oposta ao racha paulista, o PT gaúcho ensaia uma unificação. No plano estadual, em torno da candidatura do ex-ministro Olívio Dutra para o diretório local, reunindo várias tendências. Quatro dos sete candidatos abriram mão da disputa para apoiar Dutra. A tendência é que a maioria destes apoiadores migrem para a candidatura nacional de Raul Pont, como já aconteceu em 2001. A incógnita que paira entre os petistas gaúchos é qual será o potencial de votos no Estado de Valter Pomar, que está em crescimento em São Paulo e pode tirar de Pont a posição de segundo colocado na eleição petista e eventual adversário de Berzoini em um segundo turno. A favor de Pont contam fatores como uma forte inserção entre filiados gaúchos não organizados em correntes que se afinam com a avaliação do candidato de que a "crise programática" responsável pelo afastamento do PT da base de militantes e dos movimentos sociais está ligada à "crise ética" que atinge o governo. O candidato da DS ainda tem expressão no Paraná, Bahia e Ceará. Em Santa Catarina, onde as alas radicais do partido tradicionalmente conseguem mais votos que o Campo Majoritário, a disputa entre Pont e Pomar pelo primeiro lugar é direta, com vantagem para o último, que conta com o apoio do atual presidente estadual da sigla, Milton Mendes, e do secretário nacional da Pesca, José Fritsch. Entre os concorrentes da esquerda, Pomar é o que está com a candidatura mais capilarizada, presente em 14 Estados. O candidato investiu em viagens pelo país e no lugar de enviar representantes de sua chapa para o debate, como fizeram a maior parte dos candidatos, participou diretamente dos principais debates. Além de costurar apoio com grupos paulistas, Pomar estruturou sua candidatura em Alagoas e no Piauí. No Espírito Santo, pode terminar em primeiro lugar. Sua corrente, a Articulação de Esquerda, ganhou as três últimas votações internas no Estado. No Mato Grosso do Sul, quinto colégio eleitoral petista no país, sua chapa conta com o apoio do vice governador Egon Krakhrecke e contribuirá para levar a disputa ao segundo turno. Em situação menos favorável estão os candidatos da Ação Popular Socialista (APS), o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, e a deputada Maria do Rosário, do Movimento PT. Plínio joga com o voto de militantes sem vinculação a correntes em São Paulo e no apoio de lideranças no Rio. Ainda deve contar com boa votação em Belém, graças ao apoio do ex-prefeito Edmilson Rodrigues. Maria do Rosário possui apoio de lideranças isoladas no Rio Grande do Norte, Distrito Federal, Mato Grosso e Amazonas, mas não é majoritária em Estado nenhum. Outro fator que mina as chances de Berzoini liquidar a disputa no primeiro turno é a estratégia dos integrantes do Campo Majoritário nos Estados para manter a hegemonia local, em meio à confusa situação nacional. Em Alagoas, por exemplo, o candidato do Campo, o deputado estadual Paulo Fernandes, aliou-se à DS para garantir a sua vitória no primeiro turno. Com certeza não levará todos os votos que conseguir para Berzoini. Alguns irão para Pont. As melhores possibilidades para o candidato oficial estão nos Estados de eleitorado mais disperso ou de presença recente do PT. No Acre e em Rondônia, as candidaturas adversárias praticamente inexistem. As eleições para os diretórios estaduais são com chapa única, a favor de Berzoini. No primeiro Estado, governado pelo petista Jorge Viana, o candidato da situação deve alcançar o seu maior percentual de votos.