Título: UE ameaça abarrotar mercado de açúcar
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 09/09/2005, Agronegócios, p. B12

Comércio Bloco define nas próximas semanas excedente a ser exportado, que pode somar 2 milhões de toneladas

A União Européia poderá colocar no mercado externo cerca de 2 milhões de toneladas adicionais de açúcar produzido com subsídios, podendo resultar em "perdas importantes" para o Brasil e outros países produtores e exportadores. O alerta foi dado ontem (dia 8) pelo embaixador brasileiro junto à UE, José Alfredo Graça Lima. De acordo com ele, se isso ocorrer até o fim do ano, como o Brasil suspeita, as cotações internacionais poderão cair "drasticamente". O objetivo da medida seria reduzir os enormes estoques acumulados do produto, que estariam tirando sustentação dos preços no mercado interno europeu. Para Graça Lima, se isso ocorrer, a UE estará colocando no mercado "a qualquer preço" um total de 7 milhões de toneladas de açúcar até dezembro - quando, pelos compromissos junto à OMC, o volume não deveria ultrapassar 1,2 milhão de toneladas. O diretor-geral do Comitê Europeu de Produtores de Açúcar (Cefa), Jean-Louis Barjol, confirmou que a UE terá de decidir antes de 1º de outubro sobre o excedente que venderá. Barjol condiciona o impacto no mercado ao prazo que a OMC dará a Bruxelas para pôr fim às exportações subsidiadas. "Se a OMC decidir por um prazo curto, essas 2 milhões de toneladas terão de ser vendidas imediatamente e poderão quebrar o mercado mundial", declarou Barjol por telefone, de Bruxelas. "Se der prazo de 18 meses, até dezembro de 2006, vamos escoá-lo gradualmente". O Comitê de Gestão do Açúcar, que reúne os 25 membros da União Européia, não tomou qualquer decisão nesse sentido em reunião realizada ontem. Mas o porta-voz agrícola da Comissão Européia, Michael Mann, reiterou que Bruxelas não tem intenção de inundar o mercado global. A avaliação da missão brasileira para a UE, porém, revela temor. O que está em jogo é a proposta de reclassificar como açúcar "C" (produto que deveria necessariamente ser exportado antes do fim do ano, na análise brasileira) as 2 milhões de toneladas que foram produzidas nas cotas de produção subsidiada. "Isso é ainda mais injustificável porque a UE precisa apresentar, ao contrário, sua proposta de limitação das exportações de açúcar subsidiado, de forma a não ultrapassar o limite de 1,2 milhões de toneladas por ano", disse o embaixador. "Esse limite vem sendo sistematicamente ultrapassado pela UE nos últimos anos, com exportações de cerca de 5 milhões de toneladas anuais". A OMC foi acionada recentemente por Brasil, Tailândia e Austrália para estabelecer um prazo para a UE cumprir o que foi definido após sua arbitragem. A comissária agrícola da UE, Marianne Boel, já disse no Parlamento europeu que a condenação dos subsídios "foi clara" e que a UE terá de cortar 4 milhões de toneladas por ano. Mas a Espanha abriu um questionamento jurídico junto à Comissão Européia. Os produtores afirmam que, na verdade, Bruxelas só precisaria cortar 30% das exportações condenadas. O embaixador Graça Lima advertiu que, se a UE reclassificar as 2 milhões de toneladas para poder exportar, estará dando um claro sinal de que não tem qualquer intenção, no momento, de cumprir com os compromissos assumidos ou de implementar as recomendações do painel, "com efeitos bastante negativos sobre a credibilidade do sistema multilateral de comércio e sobre os esperados resultados da Rodada Doha". O grupo Südzucker, maior produtor europeu, minimiza o problema. "Isso vai ser apenas este ano, depois a produção vai cair", argumentou o porta-voz Reiner Dull. O porta-voz europeu Michael Mann acrescentou: "Até agora podemos usar o regime atual do açúcar, pois a OMC ainda não estabeleceu nenhum prazo. Em todo caso, o objetivo da reforma do regime do açúcar é reduzir a produção em 5 milhões de toneladas. Esta vai ser a solução", disse. Para Barjol, o problema está sendo causado por "erro" da Comissão Européia, que no ano passado não reclassificou volume algum, como foi pedido pelo setor. "Queríamos 800 mil toneladas na cota C, e não saiu nada. Agora tem que vender excedente maior, mas é sem restituição [sem pagar subsídio ao exportador]", afirmou. A constatação de Nick Penneu, da Sucden, corretora de commodities em Londres, é direta: "Os estoques terão de ser vendidos (...)". Outra analista, Paula Gruendling, do Banco Fortis, também sediada em Londres, observa: "Isso é um fator baixista. Mas não muito, porque a demanda pode absorver". Primeiro, porque o Brasil não está produzindo tanto açúcar refinado. Segundo, porque é crescente a demanda por parte de países como Iraque, Paquistão e Sudão. Além disso, a crise do petróleo impulsiona o desvio de cana da produção de açúcar para o etanol. Para a analista, portanto, o excedente poderá ser na verdade escoado até setembro de 2006. "Colocar essas 2 milhões de toneladas no mercado não apenas contraria as regras vigentes como vai na direção contrária da anunciada intenção da UE de negociar, no âmbito de Doha, compromissos de eliminação dos subsídios à exportação, de forma a não mais prejudicar os interesses dos países em desenvolvimento exportadores", enfatizou Graça Lima.