Título: A Lei de Licitações e o termo de recebimento
Autor: Luciano Vítor Engholm Cardoso e Heitor Vítor Mendo
Fonte: Valor Econômico, 09/09/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"Uma mudança na lei eliminaria empresas não comprometidas com o adequado atendimento do interesse público"

A Lei de Licitações - a Lei nº 8.666, de 1993 - vem sofrendo várias reformas ao longo de sua pouca, mas já precocemente envelhecida, existência. Por outro lado, vários aspectos de seu texto original acabaram sendo lapidados ao longo do tempo por obra tanto do Poder Judiciário quanto dos tribunais de contas, como foi o caso específico da comprovação da aptidão técnica por parte das empresas, que não era simplesmente admitida no texto original da legislação. Existem, porém, mecanismos eficazes na lei que a burocracia acabou transformando em atos de simples expediente público. Referimo-nos especificamente ao termo de recebimento definitivo, previsto no artigo 73, incisos I e II, alínea "b" da Lei e Licitações, cujo objetivo deveria ser, pela vontade do legislador, atestar, através de uma comissão de agentes públicos, que as obras e serviços foram adequadamente executados. Deveras, se por um lado a celebração do contrato público, de regra precedido de licitação, cerca-se das mais diversas formalidades, por outro lado é extremamente lacônica a disciplina legal do ato que reconhece que o contratado cumpriu todas as obrigações que lhe competiam, notadamente aquelas assumidas na proposta julgada vencedora. A prática e o tempo mostraram que esse importantíssimo instituto da Lei de Licitações transformou-se em ato meramente burocrático, uma etapa a mais do procedimento administrativo de contratação pública, que acaba transcorrendo sem maiores rigores formais. Pior: determina a lei que, se no prazo de 90 dias a administração pública se omitir em realizar o termo de recebimento, considerar-se-á que a obra ou serviço foi adequadamente prestado e/ou executado pelo particular. O efeito desse mau tratamento dado ao instituto do termo de recebimento acabou trazendo efeitos deletérios ao contrato público, escancarando a porta para toda sorte de irregularidades, que, por vezes, redundam em corrupção. Empresas não comprometidas com a seriedade vencem licitações por preços demasiadamente baixos (apesar de não serem legalmente inexeqüíveis), para tirar suas margens de lucro através da sonegação de impostos e do desrespeito às normas trabalhistas. E não raramente deixam de cumprir as obrigações contratuais de modo completo ou adequado, desrespeitando de forma aberta as regras do edital. Tudo isso poderia ser evitado, se houvesse, por parte do poder público, uma acurada análise quando da emissão do recebimento definitivo do contrato, e não um simples ato de expediente em que o ato acabou se transformando. Ocorre que, apesar de a lei prever esse instituto, ela se ressente de um regramento mais detalhado, que determine à comissão de recebimento quais aspectos da contratação devem ser observados e checados para, somente depois, ser recebido o contrato. Além disso, é inaceitável que o contratado possa ter reconhecida oficialmente a execução de suas obrigações pelo simples decurso de prazo, independentemente do efetivo resultado das obras ou serviços.

É extremamente lacônica a disciplina legal do ato que reconhece que o contratado cumpriu todas as obrigações

Trata-se, portanto, de se levar a sério esse importante instituto estabelecido pela Lei de Licitações, ou estabelecendo as regras que obrigatoriamente deverão ser obedecidas pelo poder público para poder emitir o termo de recebimento ou então - o que seria até mais eficaz - alterando-se a Lei nº 8.666/93 para permitir que da comissão de recebimento faça parte - com direito a voto - membros da sociedade civil e representantes de entidades de classe. Sindicatos patronais e de empregados das categorias relacionadas ao objeto do contrato público podem atestar a fiel observância dos direitos trabalhistas, conselhos regionais de contabilistas podem aferir a regularidade dos recolhimentos fiscais e a avaliação técnica do objeto do contrato e sua adequação com as obrigações assumidas com os parâmetros exigíveis, podem ser feitas pelo ente de classe respectivo. Além de representar um sensível incremento da transparência da atividade da administração pública, a medida permitiria um maior controle sobre os contratos administrativos, dando ensejo à declaração de inidoneidade dos contratados que não executaram adequadamente seus contratos, de sorte a serem excluídos de futuras contratações. Pode-se pensar, inclusive, em uma modificação mais profunda desse artigo da Lei de Licitações, com a determinação de que a declaração de inidoneidade da empresa que descumpriu o contrato seja estendida aos seus sócios e administradores, aplicando-se, nesse caso, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Em suma, uma mudança na Lei de Licitações, como a sugerida, certamente eliminaria das competições públicas empresas descomprometidas com o adequado atendimento do interesse público, prestigiando, de outra banda, as empresas sérias e até mesmo uma maior participação do capital estrangeiro, hoje afugentado pela inadequação das regras legais brasileiras.