Título: Europa dá empurrão no Mercosul
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2005, Brasil, p. A2

Uma importante reivindicação dos europeus recebeu pouco destaque do governo brasileiro, nos relatos oficiais sobre a reunião dos ministros do Mercosul e da União Européia (UE), há pouco mais de uma semana. Entre os pontos que os ministros decidiram transformar em prioridade, na discussão do acordo de livre comércio entre os dois blocos, está a reivindicação européia de eliminação de barreiras ao comércio de mercadorias entre os países do Mercosul. É uma pressão a mais contra iniciativas como os recentes movimentos do governo argentino na relação comercial com o Brasil - criação de licenças não-automáticas de importação, acordos de restrição voluntária de exportações e taxas estendidas a produtos dos sócios do Mercosul. O otimismo com que as autoridades dos dois blocos saudaram a retomada das negociações traz um sinal positivo, de que a discussão do acordo poderá ajudar, dentro do Mercosul, a fazer avançar as ações para extinguir, de fato, as barreiras à circulação de produtos. Apesar do protecionismo argentino, concentrado, na verdade, sobre uma pequena parcela do comércio birregional, há negociações em curso para eliminar a chamada dupla cobrança da Tarifa Externa Comum, que obriga um exportador a pagar duas vezes o imposto de importação, se sua mercadoria chega ao continente pelo Brasil e passa daqui ao Uruguai, por exemplo. Na próxima reunião de cúpula do Mercosul, no fim do ano, os diplomatas esperam sacramentar a regulamentação para acabar com a burocracia, nas aduanas, para a passagem de produtos hoje sujeitos a alíquota zero na tarifa de importação comum. É o primeiro passo para estender progressivamente a liberalização do trânsito de produtos a outros importados, esses sujeitos a pagamento de tarifas. A maior resistência à liberalização vem do Paraguai, pela dependência do país em relação às receitas das alfândegas - 40% do total arrecadado pelo Tesouro local. Os europeus já ofereceram a sua experiência aos países do Cone Sul, para tentar remover as resistências e obstáculos à integração das alfândegas. Persiste, porém, o grave problema da corrupção no Paraguai, capaz de criar obstáculos a soluções racionais. O avanço nas tratativas para o acordo de livre comércio entre europeus e o Mercosul pode dar um bom empurrão nesse debate. A reunião ministerial Mercosul-UE trouxe mais que influências positivas para a integração do Mercosul. É a perspectiva mais próxima de abertura de mercados para o Brasil, no horizonte das negociações comerciais levadas pelo Itamaraty.

Corrupção no Paraguai cria obstáculos à liberalização

Há interesse dos europeus em terminar as negociações até maio e a reunião dos ministros teve como decisão a determinação de concentrar os esforços na eliminação de divergências em três temas principais: o acesso a mercados para produtos agrícolas, a redução e eliminação de barreiras à prestação de serviços entre os dois blocos e o estabelecimento de regras para dar tratamento diferenciado, em matéria de prazos e grau de abertura comercial, aos países do Mercosul, menos desenvolvidos que os europeus. Segundo um dos principais negociadores brasileiros, os europeus mostraram-se dispostos a aumentar a oferta de abertura do mercado agrícola, com cotas mais atrativas aos exportadores do Mercosul - e isso terá como conseqüência inevitável maior pressão para redução de tarifas de importação de produtos industriais no Brasil e Argentina. Há pressa dos dois lados. O segundo semestre de 2006 é período de campanha eleitoral no Brasil e na França, país que mais obstáculos cria à liberalização agrícola na Europa. Não será um bom momento para incomodar grupos econômicos com a discussão sobre livre comércio. É um calendário complicado. Segundo um importante diplomata da Comissão Européia, embora os ministros tenham marcado duas reuniões de negociação dos técnicos ainda neste ano, não haverá avanço importante antes que o cenário do comércio internacional esteja mais claro, a partir da reunião da OMC, em Hong Kong, em dezembro. Será aí que se saberá qual a perspectiva de redução das barreiras ao comércio agrícola. A oferta de abertura ao Mercosul pelos europeus será maior que a apresentada pela UE na Europa, garante o diplomata. Será um pouco maior ou muito maior, dependendo do resultado de Hong Kong. Pela disposição dos europeus e pelo impulso que a negociação traz ao fim das barreiras no próprio Mercosul, seria um erro negligenciar a discussão com a UE, por mais incertos que possam parecer seus resultados.