Título: Brasil não trata convergência com seriedade, diz Iasb
Autor: Nelson Niero e Roberta Campassi
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2005, Empresas &, p. B2

Normas contábeis Para diretor da entidade, país perde investimentos com demora na aprovação de novas regras

O Brasil não vem tratando com seriedade a harmonização global das regras contábeis, disse ontem um diretor do Conselho de Normas Contábeis Internacionais (Iasb, na sigla em inglês), com sede em Londres. A afirmação foi uma referência à demora na aprovação do projeto, em tramitação no Congresso, que altera a parte contábil da Lei das S.A. "Vou usar um pouco de estupidez, na minha condição de meio brasileiro, para dizer que o Brasil não é sério quando o assunto é convergência de normas contábeis", disse o sueco Jan Engstrom, diretor do Iasb, em entrevista a jornalistas durante o seminário "A Convergência das Normas Contábeis no Brasil e no Mundo", promovido pela Apimec, a associação dos analistas de mercado, e pelo Banco Mundial. Engstrom, que morou em Curitiba na década de 80, quando era funcionário da fabricante sueca de caminhões Volvo, disse que o fato de se considerar "meio brasileiro" lhe dá liberdade de criticar a morosidade na aprovação das regras. "Não poderia dizer isso se fosse 100% sueco." Para ele, é inadmissível que o projeto de lei esteja "há seis ou sete anos" parado no Congresso. "Perguntei ao meu banco por que ele não investia em fundos no Brasil e a resposta foi que faltava transparência no país", disse. O projeto de lei 3.741, elaborado por especialistas de contabilidade e do mercado de capitais, com a liderança da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foi entregue ao governo em 1999. Foi aprovado na Comissão de Indústria e Comércio da Câmara em 2002 e está hoje na Comissão de Finanças e Tributação. A proposta mais polêmica do texto é a que obriga as empresas de capital fechado de grande porte a divulgar seus balanços. Está prevista também a criação de uma entidade privada para estudar e elaborar normas contábeis nos moldes do Fasb, órgão que tem essa atribuição nos Estados Unidos. Em sua exposição, o secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Bernardo Appy, criticou o "desnível do acesso à informação entre empresas fechadas e abertas" e defendeu a divulgação das fechadas como forma de "melhorar o ambiente concorrencial". Appy considera que a falta de transparência das informações contábeis "dificulta o aporte de recursos no Brasil", mas disse ser "normal" a demora na aprovação do projeto, principalmente quando não há "um esforço conjunto do governo e atores interessados". Segundo Haroldo Levy Neto, presidente da Apimec/SP, a expectativa de aprovação é maior agora porque "pela primeira vez o governo está apoiando e empurrando ao mesmo tempo". A atitude do governo em relação ao projeto, que foi incluído na chamada "agenda mínima", começou a mudar no ano passado, afirmou Antonio Carlos de Santana, superintendente de normas contábeis e de auditoria da CVM. Segundo ele, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, pediu ao presidente da autarquia, Marcelo Trindade, detalhes sobre o andamento do projeto após participar, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de reunião do G-8 (grupo dos sete países mais ricos do mundo, mais a Rússia), em maio de 2003. No encontro, o G-8 incentivou a adoção de padrões contábeis internacionais como meio de fortalecer a confiança dos investidores, lembrou Amaro Luiz de Oliveira Gomes, chefe do departamento de normas do sistema financeiro nacional do Banco Central. O atraso na harmonização contábil no país - idéia que começou a ser discutida no início da década de 90, no governo Collor - forçou a CVM e o BC a fazer uma espécie de "reforma a conta-gotas". A autarquia que regula o mercado de capitais já publicou diversas normas nos últimos anos, com base nas regras internacionais. Em outubro, deve editar uma deliberação sobre a apresentação e divulgação de balanços que, entre outras coisas, tenta aproximar a demonstração de origens e aplicações de recursos da demonstração de fluxo de caixa, que faz parte do parte do projeto e é mais requisitada pelos usuários do mercado de capitais. A deliberação também pretende definir regras mais claras sobre o reconhecimento de provisões de passivos e ativos contingentes (de realização incerta) e fazer com que haja, nos balanços, informações melhores sobre essas provisões. O BC adotou em 2002 a regra do Iasb (IAS 39) que prevê o registro, pelos bancos, de títulos mobiliários em três categorias e avaliação pelo valor justo. Além disso, o próprio BC passou a elaborar o seu balanço pelas regras internacionais de contabilidade. Essas regras, conhecidas pela sigla em inglês IFRS, entraram em vigor neste ano para os países da Comunidade Européia e vêm sendo alvo de críticas dos executivos por conta dos custos e da complexidade. David Potter, principal contador do grupo britânico BAT, criticou a alta complexidade. "O diabo está nos detalhes", disse "No início, pensava-se que não havia grandes diferenças entre as regras britânicas e o IFRS, mas não é bem assim."