Título: Esquerda avança na AL, mas com 2 eixos
Autor: Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2004, Internacional, p. A-11

Movimentos de centro-esquerda estão ganhando espaço na América Latina e a provável vitória da Frente Ampla, no Uruguai, confirma essa tendência. O avanço é mais nítido nas sucessões presidenciais, nas quais a centro-esquerda elegeu três presidentes consecutivos no Chile, desde 1990. Desde a chegada de Hugo Chávez ao poder na Venezuela, em 1998, o fenômeno foi reforçado com as eleições de Lula, no Brasil; de Néstor Kirchner, na Argentina, e de Lucio Gutiérrez, no Equador. Favoreceu a esquerda, nesses casos, o descrédito com os partidos tradicionais e a esperança de mudança, como ocorre agora no Uruguai. O cientista político Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos Nova Maioria, de Buenos Aires, diz que o provável triunfo da Frente Ampla confirmará a tendência rumo à centro-esquerda. Ele prevê que o governo da Frente Ampla não será fácil e a coalizão poderá articular-se, como fez a Concertação pela Democracia, no Chile, ou entrar em crise, como ocorreu com a Aliança, na Argentina. "O desafio é mais político que ideológico." Fraga entende que uma das razões para o crescimento da esquerda é o movimento de pêndulo comum nos EUA e na Europa. Depois das políticas neoliberais dos anos 90, que trouxeram certo crescimento mas deixaram grande dívida social nos países da região, o pêndulo tendeu à esquerda, diz. Fraga reconhece que as experiências de Lula, no Brasil, e de Lagos, no Chile, mostram que na prática essas administrações não diferem muito dos social-democratas e da centro-direita. Aponta ainda como relevante o fato de a tendência de crescimento da esquerda nas eleições majoritárias não se repetir no cenário local, ou seja, nas eleições municipais. O caso mais evidente dessa situação é o Chile, onde a direita, sob a liderança de Joaquín Lavín, prefeito de Santiago, esperava bom resultado nas eleições municipais de ontem, abrindo acirrada disputa com a Concertação, do presidente Ricardo Lagos, nas eleições presidenciais de 2005. O cientista político Carlos Huneeus, diretor do Centro de Estudos da Realidade Contemporânea, de Santiago, avalia que as chances da centro-esquerda no ano que vem dependerão do nome a ser escolhido pela coalizão para enfrentar Lavín. A Concertação, formada por quatro partidos, incluindo democratas-cristãos e socialistas, ainda não chegou a acordo sobre um nome comum para 2005, mas tem boas chances porque o governo Lagos tem conseguido indicadores favoráveis, como o crescimento esperado para a economia de 5% em 2004 e 5,5% em 2005. Em estudo recente para o Real Instituto Elcano, da Espanha, Huneeus alertou que o Chile segue dividido pelo passado e que uma eventual vitória da oposição em 2005 pode significar retrocesso político. Na Espanha, comparou Huneeus, partidos que participaram da redemocratização, como a UCD, não foram colaboradores de Francisco Franco. Já no Chile, a União Democrata Independente (UDI), de Lavín, tem entre seus quadros colaboradores de Augusto Pinochet. Huneeus disse que é difícil comparar as propostas de governo da esquerda e da direita, pois o movimento de Lavín não explicita suas idéias, algumas impopulares, como a privatização do cobre. Octávio Amorim Neto, professor de ciência política da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entende que entre os movimentos de esquerda na região que têm melhores perspectivas é a esquerda representada por Lula e Lagos, definida por ele como esquerda moderna. "Lula não se identifica mais com o PT, que tem setores ligados à visão castrista", avalia Amorim. Ele identifica ainda outros dois tipos de esquerda na América Latina: a castrista, representada por Cuba; a neopopulista, por Hugo Chávez. O caso da Venezuela, que também teve eleições municipais ontem, é emblemático, pois Chávez chegou a ser visto como possibilidade de um novo alento para a esquerda na região. "Ainda que Chávez conte com a simpatia da esquerda, o país é um desastre na política, pois houve uma polarização, e na economia, que passou por quatro anos de recessão", diz. No Equador, depois de ser eleito, em 2002, com o apoio de setores da esquerda e de movimentos sindicais, camponeses e indígenas, o coronel Lucio Gutiérrez foi o grande perdedor das eleições municipais de 17 de outubro. Agora Gutiérrez corre o risco de abertura de processo político contra ele no Congresso por peculato e abuso econômico nessas eleições. Para o sociólogo Hélio Jaguaribe, está surgindo na América Latina uma esquerda que oscila entre a social-democracia e o nacionalismo de esquerda. Lula é o representante dessa esquerda, segundo Jaguaribe, com duas vertentes bem definidas: o liberal-econômico, que prevalece na condução da política econômica, e o mítico da renovação social, cuja imagem aparece mais no exterior. Já o senador Danilo Astori, ministro da Economia em uma eventual vitória da Frente Ampla no Uruguai, avalia que a esquerda está crescendo porque aprendeu as lições da história. "Somos conscientes de que é preciso evitar as frustrações que tantas vezes a esquerda enfrentou no mundo e sabemos que ganhamos força porque os governos da região não encontraram soluções para os problemas das pessoas."