Título: EUA já se preparam para novo impasse na apuração da eleição
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2004, Internacional, p. A-11

Os Estados Unidos entram hoje no último dia da campanha eleitoral sem indicações de quem será o vencedor nas eleições de amanhã e já acostumando-se à idéia esperar novamente pela proclamação do resultado. A campanha foi afetada por uma distração de última hora, o estranho videoteipe do terrorista Ossama bin Laden, divulgado na sexta-feira, dirigindo-se ao eleitorado americano e ameaçando fazer novos ataques terroristas. Inicialmente, os dois candidatos responderam em uníssono que as declarações do terrorista não influenciariam as eleições. John Kerry disse que os dois partidos estão "unidos" contra o inimigo externo, e o presidente deu uma declaração semelhante. Mas ontem, em entrevista à CNN, o chefe de gabinete da Casa Branca, Andrew Card, disse que Kerry foi "irresponsável" ao dizer que os EUA perderam a chance de capturar Bin Laden quando invadiram o Iraque. A campanha democrata exigiu retratação da rede de TV Fox, que disse num de seus programas que o discurso de Bin Laden podia ser visto como apoio à candidatura de Kerry. Bin Laden não endossou nenhum dos dois candidatos, mas fez fortes críticas a Bush, afirmando que a família do presidente age como os monarcas do Oriente Médio e "engana o povo americano". Há controvérsia sobre a possibilidade de a divulgação da gravação beneficiar a reeleição de George W. Bush. As duas campanhas já preparavam estratégias legais para os Estados mais importantes na disputa. As pesquisas não mostravam dados conclusivos sobre vitória nos Estados mais importantes para a votação no colégio eleitoral - Flórida, Ohio e Pensilvânia. Os advogados do Partido Republicano tentarão ao máximo bloquear eleitores registrados para a eleição de 2004, alegando irregularidades no registro, como falta de comprovação de residência no Estado ou condenação por crimes. Nas eleições de 2000, esse foi o principal argumento para impedir votações de eleitores na Flórida. Os democratas pretendem defender os registros feitos pelo partido numa das maiores campanhas para trazer novos eleitores às urnas na história dos EUA. As pesquisas que incluem todos os eleitores registrados dão vantagem a Kerry, enquanto Bush lidera com "eleitores prováveis", ou seja, eleitores que votaram anteriormente. Analistas acreditam que as chances de contestação legal dos resultados seriam menores se a diferença fosse significativa para um dos dois candidatos. Como isso aparentemente não vai acontecer, a hipótese de contestação legal é real. Alguns processos judiciais continuavam sem decisão na Flórida, como o que contesta as votações por urnas eletrônicas que não imprimem "recibos" dos votos que possam ser recontados manualmente. Este ano, deve haver grande disputa no Estado de Ohio, que tem pesquisas de opinião diferentes favorecendo os dois candidatos. Os republicanos planejam contestar mais de 40 mil novos registros feitos pelos democratas. Há ainda ampla possibilidade de contestação sobre a contagem de votos "provisórios", de eleitores que não tiveram os registros regularizados. Esses votos provisórios foram criados por uma legislação em 2002 para tentar prevenir o que ocorreu na Flórida. Em alguns Estados, esses votos são contados sempre, em outros só se forem em número maior que a diferença entre os dois candidatos. Jornais, revistas e programas de TV mostraram ao longo do fim de semana a profunda divisão no país e o acirramento dos ânimos por eleitores de ambos os partidos na campanha eleitoral de 2004, fenômeno relativamente incomum em eleições americanas. Os exemplos incluem brigas entre amigos, vizinhos e até familiares. Os mercados financeiros já se preparam para eventual indefinição do resultado durante semanas. Esse é o pior cenário para os mercados, segundo o diretor da Goldman, Sachs, Paulo Leme. No mesmo período em 2000, as bolsas caíram e os investidores se refugiaram em títulos da dívida pública. Este ano, com o alto déficit público, o mais provável seria a concentração de recursos em dinheiro vivo ou ativos como ouro.