Título: Crescimento ajuda montadora argentina a recuperar mercado
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2005, Especial, p. A12

Entrevista Diretor-executivo da associação do setor vê menor dependência em relação ao Brasil

Depois de um período em que muitos apostavam na extinção da indústria automobilística argentina, o setor vem dando neste ano sinais de uma forte recuperação, apresentando crescimento das vendas no mercado interno e aumento e diversificação das exportações. De acordo com dados referentes a agosto, as vendas de carros novos no mercado interno deram um salto de 40,9% em relação ao mesmo mês do ano passado e o aumento nos oito primeiros meses do ano é de 32,4%. Até agosto, as exportações cresceram 32,9% e a produção de veículos nacionais aumentou 27,4%. A aposta do setor para ampliar as vendas dos carros produzidos no país é que a consolidação do crescimento econômico aumente a confiança dos consumidores, que estão voltando a comprar carros maiores e mais potentes, justamente a faixa em que a indústria local se especializou. "Na saída da crise, em 2004, as pessoas trocavam seu carro por um similar, mas não tinham coragem de comprar um melhor. Com a previsibilidade da economia e com as boas perspectivas, vemos que os consumidores estão dispostos a trocar seu carro por um melhor", disse Fernando Rodríguez Cañedo, diretor-executivo da Adefa, a associação que reúne as montadoras locais. Segundo ele, um dos sinais disso é a queda na participação de mercado dos veículos "populares" fabricados no Brasil, que chegou a ser de 80% e hoje é de 55%. Com isso, diminuiu a pressão do governo para que alguma montadora instale uma nova plataforma para a produção de um carro pequeno na Argentina. Rodríguez Cañedo espera que a produção local de automóveis de 2005 se aproxime de 300 mil unidades, com vendas no mercado interno próximas de 400 mil. Em 2002, pior ano da história da indústria automobilística, as vendas foram de pouco mais de 80 mil unidades. Em entrevista ao Valor, o executivo afirmou também que vê espaço para o aumento de vendas de veículos argentinos no Brasil mesmo que eles não tenham a opção de motorização bicombustível. Além disso, considera que as exportações argentinas se diversificaram e estão menos dependentes do mercado brasileiro. Valor: Como se explica a melhora no desempenho da indústria automobilística? Fernando Rodríguez Cañedo: O que vemos é uma tendência crescente a partir do crescimento do PIB. Isso está diretamente relacionado à maior demanda que o setor está tendo. Além disso, estamos vindo de uma crise profunda, 2001 e 2002, com demanda reprimida. A partir da melhora das condições econômicas, somada à previsibilidade da economia, aos aumentos salariais e à oferta de financiamento, tudo isso faz com que o mercado cresça mês a mês. Na parte industrial, há um modelo econômico na Argentina. Em maio de 2004 nós lançamos, com o governo, um fórum de competitividade para determinar quais são as medidas necessárias para incentivar investimentos na Argentina, o desenvolvimento do mercado interno e de novos destinos de exportação. A partir desse trabalho conjunto, os resultados estão aparecendo. Valor: Quais são os principais projetos das montadoras? Cañedo: Anunciados e concretizados temos o da Peugeot-Citroën, com o 307. A empresa anunciou e possivelmente lançará no fim deste ano ou princípio do próximo um novo produto da marca Citroën e outro da marca Peugeot. Outras empresas que estão realizando investimentos são a Toyota, com a nova Hilux, e a Ford, com a reestilização da Ranger. Também a Volkswagen estará lançando no início de 2006 um novo modelo. A Volks também anunciou a ampliação da capacidade de sua fábrica de caixas de câmbio em Córdoba e a Fiat anunciou um investimento importante para a fabricação de motores para abastecer seus produtos e de outras empresas de outras partes do mundo. A DaimlerChrysler já está vendendo a nova Sprinter. O resto das empresas também está analisando outros investimentos para renovar os modelos atuais. Temos um plano de investimentos de 2005 a 2008 de US$ 1 bilhão. Valor: Como avalia o plano do governo anunciado em julho de dar um reembolso tributário de 8% às montadoras que usem peças nacionais em novos projetos? Cañedo: É importante. Com a crise, boa parte dos fabricantes de autopeças se mudou para o Brasil e o mercado argentino não foi importante o suficiente nos últimos anos em termos de escala para que essas empresas voltem. O governo entende que a medida pode estimular a compra de autopeças locais pelas montadoras e, pelo lado dos fabricantes de autopeças, trazer os investimentos necessários para abastecer as montadoras argentinas. Valor: E já está em vigor? Cañedo: Há um decreto, falta a regulamentação. A condição para usar esse reembolso tributário é que as empresas devem investir em uma nova plataforma ou uma soma acima de US$ 30 milhões. Algumas empresas já fizeram esses investimentos, mas não se apresentaram para pedir o reembolso porque falta a regulamentação. Esperamos que ela saia até o fim do ano. Valor: No ano passado, o governo pressionou muito as montadoras para que passassem a produzir carros "populares" no país. Ainda existe essa pressão? Cañedo: Não. Apesar de ser verdade que o governo deu declarações públicas nessa linha, é preciso levar em conta o contexto em que isso ocorreu. Em 2004, quando a Argentina estava saindo da crise, os modelos que estavam sendo vendidos eram econômicos, importados do Brasil. Isso ocorria por uma questão de conjuntura, porque a economia ainda não estava nos níveis que está hoje, havia menos previsibilidade e também não havia os aumentos de salários que ocorreram depois. O consumidor argentino era obrigado a trocar o seu carro por outro menor. Também havia o problema de segurança, houve aumento da violência, o que fez com que os argentinos desistissem de ter um carro de luxo ou médio, que podia chamar a atenção. Neste último ano e meio, com a recuperação econômica e a melhora parcial na segurança, o consumidor voltou a comprar o carro médio. Na comparação com 2003 e 2002 a participação dos carros pequenos teve uma queda importante e houve uma recuperação dos carros médios. Com isso, no último ano e meio o governo se acalmou, não voltou a insistir neste assunto. Valor: Atualmente uma parcela importante dos carros vendidos no Brasil já sai equipada com motor bicombustível e nenhum carro produzido na Argentina é equipado com esse tipo de motor. O sr. não acha que isso limita o crescimento que as vendas de carros argentinos podem ter no mercado brasileiro? Cañedo: Eu diria que isso não deveria ser uma limitação. O mercado brasileiro pode chegar a 1,6 milhão neste ano. No segmento de veículos médios vendidos no Brasil, do qual participamos, a incidência que têm os veículos com motor flex é mínima. O mercado de médios no Brasil é de cerca de 150 mil carros. Nós estamos exportando 50 mil em toda a gama. O Brasil poderia comprar mais da Argentina para cobrir a demanda neste segmento, não vemos isso como um problema hoje. Quanto a se a Argentina pode ou não fazer motores flex, isso depende da estratégia de cada montadora. Valor: Há um projeto do governo para começar a adicionar álcool à gasolina... Cañedo: Existe um projeto, conhecemos o assunto. Estão começando a analisar, porque primeiro é preciso ver a reação das petroleiras, mas não avançamos muito no assunto. Um dos pontos que achamos importante é a previsibilidade da política de combustíveis. Muitas vezes uma montadora pode fazer um investimento importante em motores e o governo pode estar pensando outra coisa. Por isso é importante fazer um trabalho em conjunto e traçar uma política de longo prazo no que diz respeito a combustíveis. Outro dado é que nos últimos anos a Argentina diversificou muito suas exportações. Até 1998, das 230 mil unidades que vendemos, 90% foi para o Brasil. Hoje o mix mudou, o Brasil continua sendo o principal destino, representa 33% de nossas exportações. O resto vai para o México, Chile, Uruguai, América Central e países que eram impensáveis no passado, como Egito, China, Ruanda. Hoje exportamos para 35 países. Valor: Na semana passada, veio à tona uma proposta de redução de tarifas de importação na negociação da Rodada Doha elaborada pelo Ministério da Fazenda brasileiro. Qual a visão dos srs. sobre isso? Cañedo: Não compartilhamos em absoluto. Rejeitamos, consideramos que a indústria perderia, não só no nível local como também no regional, se fosse tomada uma medida nesse sentido. Por outro lado, consideramos que deveríamos observar como fazem outros países, a forma como protegem a indústria automobilística, os incentivos que recebem para promover a indústria. Mais de 30% do crescimento do PIB industrial argentino foi gerado pela indústria automobilística, é um setor central para o país e para a região. Por isso rejeitamos a proposta. Valor: E qual a posição da Adefa nas negociações com a União Européia? Cañedo: Em relação a isso, temos um acordo com a Anfavea, no qual propusemos dez anos de transição, uma cota de 38 mil unidades por ano para todo o Mercosul e a importação de autopeças com uma preferência de 40% sobre a tarifa vigente. Isso é principalmente para melhorar a produção aqui na região e deixar a indústria mais competitiva. Valor: Foram divulgados também outros números... Cañedo: Essa é a posição do setor privado, Adefa-Anfavea. A última oferta do Mercosul, apresentada em maio à União Européia, fala de 18 anos, com os primeiros oito sem redução e 25 mil unidades de cota. Valor: A proposta do Mercosul é mais protecionista do que a do setor privado. Isso é devido à postura do governo argentino? Cañedo: Na verdade é a posição do Mercosul. Nós sabemos que o governo argentino fixou a posição de defender a indústria local. Se o governo argentino poderia estar disposto a flexibilizá-la eu não sei, é preciso perguntar a eles, mas vai depender muito do que a UE ofereça em matéria agrícola ou em outro setor. Essa não é uma negociação por setor e sim uma negociação geral. Valor: Sobre a política do setor automotivo do Mercosul, o governo não quer o estabelecimento de uma data para chegar ao livre comércio. Qual a posição dos srs.? Cañedo: Nós temos um acordo assinado com a Anfavea no qual dizemos entender a necessidade de ter um período de transição antes de ir ao livre comércio, mas achamos que esse prazo não deve ir além de 2008. Apoiamos a posição do governo argentino, mas estipulando um prazo até 2008, para saber que antes de 2008 é preciso eliminar as assimetrias que temos. Valor: Qual a expectativa dos srs. em relação à Rodada Doha? Uma das posições defendidas pela Anfavea é que o setor deveria resolver rapidamente seus problemas internos porque a ameaça é China e o Leste Europeu. Cañedo: Concordamos que não devemos ter problemas no nível regional, que no âmbito do governo deve ser rapidamente estabelecida uma estratégia conjunta como bloco, com o menor custo possível e também que exista flexibilidade a respeito de como será definida a indústria no âmbito regional. Sem nenhuma dúvida os competidores estão em outros blocos e por isso a rodada é importante. Quanto às nossas expectativas, achamos que a rodada não vai avançar muito mais do que avançou até agora e nós já estamos pedindo que o governo considere o setor como sensível, pelas características que tem. Nisso, estamos em linha com o pessoal da Anfavea. Se não for possível considerá-lo sensível e tirá-lo da negociação, pelo menos que a maioria das posições estejam protegidas. Apesar de não termos firmado um acordo com a Anfavea, queremos proteger nossa indústria de outros blocos.