Título: Meirelles lava as mãos
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 21/04/2010, Economia, p. 26

Em audiência no Senado, o presidente do BC diz que não vai se intrometer na relação entre os cartões de crédito, os lojistas e os clientes. Dessa forma, bate de frente com o Ministério da Justiça, que defende uma estrita regulamentação do setor

O Banco Central (BC) lavou as mãos. O presidente da autoridade monetária, Henrique Meirelles, deixou claro ontem que não vai se intrometer na relação entre administradoras de cartões de crédito, lojistas e consumidores. Em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, ele foi taxativo sobre o assunto: nem o banco nem o Conselho Monetário Nacional (CMN) têm poderes para regulamentar esse segmento da economia, campeão de queixas nos órgãos de defesa do consumidor. Dessa forma, Meirelles entrou em rota de colisão direta com o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, que defende rédea curta para coibir os repetidos abusos das operadoras.

¿O BC só tem poder sobre instituições financeiras, o que não é o caso da indústria de cartões¿, observou Meirelles citando a Lei n° 4.595, que regula o sistema financeiro nacional. Seus esclarecimentos foram interrompidos pelo líder do PSDB no Senado, senador Arthur Virgílio (AM), autor de um projeto de lei que põe o segmento sob a jurisdição do BC, além de garantir a autonomia de fato para o órgão. Virgílio fez o aparte para lembrar o presidente da iniciativa legislativa. ¿Nesse caso (se o Congresso aprovar a proposta), teremos um outro regime¿, ponderou Meirelles.

Esse assunto gera um enorme desconforto na equipe chefiada por ele. Os economistas do BC advogam uma posição bem mais rigorosa do órgão, uma vez que os cartões de crédito se transformaram no mais importante meio de pagamentos do país. Segundo uma fonte do BC, porém, as sugestões técnicas são sempre barradas pela diretoria colegiada do órgão, que não quer se envolver em mais um tema polêmico, como foi a regulamentação dos consórcios no passado. Por causa da resistência, o chefe do Departamento de Operações Bancárias e Sistema de Pagamento do BC, José Antônio Marciano, foi retirado da linha de frente do assunto. Ele defendia uma atitude rigorosa com as operadoras.

O diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, Ricardo Morishita, garantiu ao Correio que vai enquadrar as administradoras, declaração comemorada pelos técnicos do BC. O DPDC identificou várias irregularidades, como a cobrança de juros disfarçados de tarifas, taxas de até 600% ao ano e inclusão indevida de clientes em listas de devedores. O presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, Roque Pellizzaro Junior, critica o setor. ¿Cobra juros arbitrários, impedindo o consumidor de liquidar os débitos contraídos e aumentando os números da inadimplência dos brasileiros. O comércio varejista não compactua com essa situação¿, disse.

O número TAXA 600% valor a que chegam os juros no financiamento de dívidas

Contra a parede

O pano de fundo da exposição do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, no Senado foi o desempenho da economia brasileira. Mas o que os senadores queriam saber era para onde vão a taxa básica de juros (Selic) e o câmbio no país. O debate ficou concentrado nessas duas questões, com os parlamentares colocando Meirelles contra a parede. Sobre o futuro, sua resposta invariável foi que o BC não faz projeção de juros futuros e que a cotação do dólar flutua, sem interferências indevidas para levá-la a um determinado nível.

¿Faz parte da função do Banco Central não ceder à pressão, exceto a da sociedade no sentido de que o cumprimento de sua missão, de trazer a inflação para a meta, beneficia a todos¿, afirmou. Diversos parlamentares mostraram preocupação sobre a possibilidade de a decisão de manter a Selic em 8,75% ao ano, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), ter sido tomada por pressão política. Mais de uma vez, Meirelles se viu obrigado a dizer que a fixação responde a critérios técnicos.

Manipulação ¿A política monetária é feita numa sequência de ações, em diferentes reuniões¿, salientou. O presidente do BC assegurou que sua equipe só age para dar liquidez ou enxugar o excesso de dólares no mercado. ¿Tentativas de manipulação da taxa de câmbio não são bem-sucedidas¿, sentenciou. Meirelles não conseguiu esconder a satisfação quando o senador Gerson Camata ( PMDB-ES) disse que, caso ele tivesse optado pela carreira política, a única alternativa seria a candidatura à Presidência da República. (VC)

Endividamento O brasileiro ficou menos endividado em abril, de acordo com dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Segundo levantamento, 58% dos entrevistados disseram não ter nenhuma dívida no momento, num recuo de cinco pontos percentuais em relação a março. Para Marianne Hanson, economista da CNC, a melhora da renda e do mercado de trabalho influenciou positivamente o número, mas a proximidade do Dia das Mães também contribuiu. ¿Tradicionalmente, quando uma data comemorativa vem chegando, as pessoas procuram quitar débitos para aumentar o poder de compra e presentear os entes queridos¿, justificou. (Victor Martins)