Título: Regra argentina já barra calçado do Brasil na fronteira
Autor: Sérgio Bueno
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2005, Brasil, p. A3

Comércio Exterior Pelo menos 275 mil pares e 22 caminhões estão à espera de licença de importação

A restrição às importações de calçados imposta pela Argentina com a aplicação do regime de licenças não automáticas a partir de 1º de setembro já está prejudicando os exportadores brasileiros. Pelo menos 275 mil pares de calçados estão retidos em estações aduaneiras e outros 322 mil que já estão em produção ou estocados para clientes do país vizinho correm o risco de não ser liberados a tempo para as vendas de fim de ano, segundo cinco fabricantes e uma grande transportadora consultados pelo Valor. O problema ocorre porque além de retardar o ingresso de novas importações, a resolução 486 do Ministério da Economia argentino atingiu negócios fechados antes da mudança das regras e ameaça também provocar o cancelamento de encomendas. "Se (o impasse) demorar mais 15 a 30 dias os importadores vão começar a cancelar pedidos", diz o gerente de exportação da West Coast, do município de Ivoti, Alexandre Dornelles. Segundo a diretora de exportação da Calçados Bibi, de Parobé, Andréa Kohlrausch, antes da nova medida os importadores argentinos levavam no máximo 30 dias para obter uma liberação de compra com validade de quatro meses, suficiente para cobrir uma coleção inteira. Agora, cada fatura precisa de uma licença específica (válida por apenas dois meses) e o tempo necessário à emissão passou a ser estimado em pelo menos 60 dias, acrescenta o gerente de exportações da Azaléia, também de Parobé, Claudiomiro Gregório. Ontem, a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) pediu ao secretário de Comércio Exterior e ministro interino de Desenvolvimento, Ivan Ramalho, que solicite à Argentina um "período de ajustamento" de 60 dias. Neste intervalo, as novas regras não se aplicariam sobre os negócios acertados antes de setembro, explica o consultor para assuntos internacionais da entidade, Adimar Schievelbein Segundo o consultor, a resolução 486 foi implementada sob a justificativa de barrar importações asiáticas e com a garantia de que o Brasil não seria prejudicado. Segundo ele, porém, a postura "agressiva" do governo argentino contraria o clima "amigável" vigente nas negociações. "Foi um acordo de boa fé. Não está escrito, mas deve ser cumprido", afirma. Desde o início do ano os fabricantes argentinos de calçados vêm insistindo em limitar as importações do Brasil em 13,5 milhões de pares este ano - foram 15,3 milhões em 2004. De janeiro a julho, o volume atingiu 6,658 milhões, 8,1% mais que no mesmo período do ano passado. Em valores, os embarques cresceram 18,8%, devido ao aumento do preço médio dos produtos. Em julho, o país vizinho já havia imposto o pagamento à vista (em 30 dias) das importações, ante a média anterior de 90 dias. A Câmara de Produção e Comércio Internacional de Calçados e Afins da Argentina (Capcica), que representa os maiores importadores locais, admite, em e-mail assinado pelo presidente Juan Dumas enviado ao secretário de Comércio Exterior do Brasil, que a resolução 486 gerou um "caos" e estima que, "no melhor dos casos", não será possível importar calçados brasileiros nos próximos 60 a 90 dias. Para a entidade, "não é realista" supor que o objetivo da norma seja deter produtos da Ásia, já que 75% das importações de calçados são supridas pelo Brasil. "Esta medida está dirigida contra este país (Brasil). O efeito sobre o Oriente será complementar", diz a câmara. Uma das empresas mais atingidas, a Picadilly, de Igrejinha, tem 30 mil pares retidos na fronteira entre Uruguaiana e Paso de Los Libres, além de 100 mil pares prontos no depósito da transportadora, todos negociados antes de setembro, explica o presidente da empresa, Paulo Grings. A medida, admite, deve limitar as exportações à Argentina para 500 mil pares este ano, ante a estimativa inicial de 600 mil e os 400 mil pares de 2004. Conforme Grings, as restrições atingem em cheio os pedidos feitos para o Dia das Mães, que na Argentina é comemorado em 20 de outubro. Mas mesmo um lote encomendado para embarque em outubro, de 80 mil pares, não será colocado em produção até que haja uma solução para o caso, afirma. A Via Uno, de Novo Hamburgo, e a Bibi estão com 25 mil e 18 mil pares encomendados em julho parados na fronteira. "A resolução foi mais um entrave burocrático para proteger a indústria Argentina", desabafa Jadir Bergonsi, gerente de exportações da Via Uno. Na Bibi, outros 40 mil pares estão em produção para entrega neste mês. A Azaléia e a West Coast enfrentam situação ainda mais complicada. As duas têm cargas de 25 mil pares (US$ 120 mil) e 7 mil pares (US$ 100 mil), respectivamente, à espera de liberação no posto fiscal de Buenos Aires e as autoridades argentinas ameaçam aplicar multas de igual valor aos importadores pois consideram que as mercadorias estão irregulares. A Azaléia tem outros 150 mil pares em produção ou a caminho da Argentina, enquanto na West Coast este volume é de 32 mil pares. "São mais US$ 500 mil", calcula Dornelles. Segundo o representante da Transportadora Josp, Gerson Schindler, 22 caminhões da empresa estão parados na fronteira ou em estações aduaneiras no Brasil e Argentina à espera de liberação para 225 mil pares de calçados, incluindo as cargas da Picadilly, West Coast, Bibi, entre outras.