Título: Apoio à China na OMC abre espaço para salvaguardas
Autor: Sergio Leo e Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2005, Brasil, p. A3

Com uma edição do "Diário Oficial" de quase 400 páginas, o governo deve publicar ainda nesta semana o decreto em que oficializa a aprovação brasileira à adesão da China como membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) Só após a publicação desse decreto, o Executivo poderá publicar outros dois, esperados pelos empresários brasileiros, que regulamentam a aplicação de salvaguardas contra importação danosa de produtos chineses. Um geral e outro específico para têxteis. O texto sobre a incorporação da China à OMC está pronto e já foi revisado pela Casa Civil da Presidência, disse ao Valor o secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior, Mário Mugnaini. Após a publicação, a edição da regulamentação da salvaguardas é questão de "momentos", comentou o secretário da Camex. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, já anunciou que espera ver publicados os decretos sobre as salvaguardas antes da viagem que fará à China, no fim de setembro, para discutir com o ministro de Comércio Exterior daquele país, Bo Xilai, medidas de contenção voluntária de exportações chinesas ao Brasil. Os chineses já informaram que estão dispostos a negociar restrições, desde que se alcance acordo "satisfatório" entre os dois países. Segundo Mugnaini, o decreto sobre o acesso da China à OMC teve a publicação atrasada por problemas encontrados na tradução encomendada pelo governo. "Eram detalhes técnicos de tradução, que foram resolvidos e o texto agora está pronto", assegurou. Industriais de setores como têxteis, calçados, ótica e eletroeletrônicos têm pressionado o governo para acelerar a edição do decreto das salvaguardas, por acreditarem que poderão solicitar as barreiras previstas pelo governo contra o súbito aumento das importações de mercadorias chinesas. Os chineses têm dado sinais de que, embora dispostos a negociar restrições "voluntárias", como já fizeram com a União Européia, não aceitarão barreiras impostas sem justificativa. Os encarregados de negócios da Embaixada da China no Brasil já levaram ao governo o argumento de que boa parte de seus produtos vem ganhando mercado por terem custos de produção mais baixos e preços competitivos numa economia de livre mercado. A abertura de processos de salvaguarda contra os chineses vem sendo tratada pelo Itamaraty - que tem assento na Camex - como um dos temas mais delicados na relação com o terceiro maior parceiro comercial do país. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, garantiu ontem, em São Paulo, onde participou do 2º Fórum de Economia, da FVG, que a regulamentação das salvaguardas contra a China deve ser publicada pelo governo até o final do mês, mas recomendou "cautela" na adoção efetiva do mecanismo de defesa comercial, dada a importância da China para a economia brasileira. Se a regulamentação das salvaguardas for editada ainda em setembro, ela virá quatro meses após o governo ter tomado a decisão política e três meses depois da aprovação do formato técnico do mecanismo pelos ministros da Camex. Dilma ressaltou que apenas alguns setores, entre eles têxteis e calçados, devem efetivamente aplicar salvaguardas, porque são prejudicados pela forte competitividade da China, que é superior a todos os países do mundo. "Se você destinar salvaguardas para tudo, compromete a balança comercial brasileira", afirmou Dilma. "Nós não estamos lidando com uma economia que tem um vínculo qualquer com o Brasil." A ministra disse ainda que a China é uma das responsáveis pela manutenção do nível de demanda na economia internacional e ressaltou os efeitos indiretos da economia chinesa na economia americana. "Não é algo banal a relação de qualquer país com a China". Fontes do setor privado e do governo creditam a demora na regulamentação das salvaguardas às preocupações com a relação bilateral entre Brasil e China. O Itamaraty tentou obter o apoio de Pequim ao pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o que não ocorreu. A assembléia que discute a reforma da ONU acontece esta semana. Parte do empresariado que vende produtos para a China ou possui fábricas no país também teme barreiras aos seus produtos ou represálias aos seus investimentos. Por outro lado, alguns setores liderados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) fazem forte lobby a favor das salvaguardas.