Título: Oposição formaliza processo contra Severino
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2005, Política, p. A7

Crise PT não assina representação, mas decide pedir à Corregedoria da Câmara que investigue as denúncias

A partir de hoje, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, está submetido ao constrangimento de conduzir os trabalhos da Casa enquanto é investigado pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e corre o risco de ser cassado. Cinco partidos - PDT, PV, PPS, PFL e PSDB - formalizaram ontem no Conselho de Ética uma representação em que elencam um amplo número de denúncias, práticas supostamente ilícitas e comportamentos questionáveis de Severino, solicitando a apuração de todos os fatos. O presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), instaura hoje o processo e indica um relator para o caso. Uma vez instaurado o processo, Severino não pode mais renunciar ao mandato para escapar de um eventual julgamento político que poderá cassar seus direitos políticos por oito anos. Deputados da esquerda do PT e do PSol também assinaram a representação num ato simbólico, já que só presidentes de partidos têm a prerrogativa de solicitar uma investigação ao Conselho. Na outra ponta, os parlamentares governistas tentam, com uma estreita margem de manobra, manter Severino na presidência pelo menos enquanto não surge uma prova material de que o deputado teria recebido propina do empresário Sebastião Buani. Os partidos da base aliada recuaram e decidiram, na noite de segunda-feira, que não poderiam andar a reboque de partidos da oposição. PT, PCdoB e PSB desistiram de pedir a abertura do processo de cassação de Severino enquanto não aparecer o tal cheque que Buani diz ter enviado ao presidente da Câmara. Sentindo-se na obrigação de dar uma resposta pública e mostrar que o partido não está protegendo Severino, o PT decidiu pedir à Corregedoria da Câmara que investigue as denúncias. A atitude é inócua. A Corregedoria, a pedido do próprio Severino, já deu início a uma sindicância interna para apurar as denúncias. "O PT não tem nenhum compromisso de proteção ao presidente Severino. Ao contrário. Não fomos nós que o elegemos", disse o líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS). Segundo o petista, o partido considerou que não deveria driblar os ritos legais. "A ordem de investigação no Parlamento é Corregedoria, Conselho de Ética e Plenário", justificou. O líder admitiu, no entanto, que o partido pode mudar rapidamente de opinião: "Se aparecer uma prova material durante as investigações, nós vamos passar a defender o afastamento imediato de Severino da presidência e a convocação de novas eleições após cinco sessões". O empresário Buani alega que pagou R$ 130 mil a Severino para que os contratos de concessão para funcionamento de restaurantes na Câmara fossem prorrogados. Parte deste montante, segundo Buani, foi pago com cheque. Até a noite de ontem, os parlamentares aguardavam o aparecimento do cheque. O empresário prometeu mostrá-lo hoje. Se isso ocorrer, a possibilidade de uma renúncia relâmpago de Severino volta a ser cogitada. A decisão do PT de não apoiar a abertura do processo de cassação de Severino dividiu a bancada e a base. "Só quem pode conseguir a prova material e avançar nas investigações é o Conselho de Ética", disse o deputado Walter Pinheiro (BA), que assinou simbolicamente a representação. "Isso que o PT está fazendo é um equívoco. É vergonhoso", criticou o deputado João Alfredo (CE). A direção do PSB decidiu não ir para lado nenhum - nem assinou a representação ao Conselho, nem assinou a representação à Corregedoria -, até a noite de ontem. PMDB, PP e PL, que tinham prometido assinar a representação à Corregedoria junto com o PT, permaneceram imóveis. "O PT está fazendo a arte do equilibrismo. Resolveram fazer a procuração do B", ironizou o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). Entre os oposicionistas, a decisão de assinar a representação ao Conselho de Ética também gerou polêmica e constrangimentos. Os presidentes do PDT, PV e PPS - Carlos Luppi, José Luiz França Penna e Roberto Freire, respectivamente - foram os primeiros a assinar a representação. A Executiva Nacional do PFL reuniu-se pela manhã e o presidente Jorge Bornhausen recebeu o aval de toda a bancada para assiná-la. No PSDB, foi preciso driblar um constrangimento: o senador Eduardo Azeredo (MG), presidente da legenda, está sendo investigado pela CPI dos Correios pela prática de caixa 2 na eleição de 1998. O advogado Rodolfo Machado Moura recebeu procuração e assinou a representação em nome da presidência do PSDB. O líder do PSDB, Alberto Goldman (SP), disse que esse é procedimento normal do partido. Segundo ele, em nenhum momento o PSDB teve dúvidas se assinaria ou não a representação contra Severino. Os tucanos solicitaram que fosse retirado do texto a parte em que os partidos alegavam não aceitar que Severino exercesse a presidência enquanto é investigado. Após um desabafo, o presidente da Câmara contou com o apoio discreto da Mesa Diretora. Severino disse ter sido jogado às cobras. "Há um componente político nas acusações contra mim. Estou muito pressionado, atacado violentamente, minha família está muito exposta, fui jogado às cobras e não tenho espaço para me defender. Mas vou enfrentar, no cargo, todas as instâncias de apuração. Estou pronto para ir ao Conselho", Severino teria dito aos companheiros da Mesa. A solidariedade veio por meio de nota, na qual os colegas de Severino disseram que não pode haver prejulgamento sem provas. "Para a Mesa, até que se apurem todos os fatos, o deputado Severino Cavalcanti é, de fato e de direito, o presidente da Câmara", diz a nota. Ontem, o advogado José Eduardo Alckmin, que defende Severino entregou à Polícia Federal um documento que supostamente comprova que a renovação da concessão do restaurante que funciona no anexo 4 da Casa foi assinado no dia 24 de janeiro, sete dias antes do dia em que o empresário Sebastião Buani disse ter sido chantageado por Severino para que o contrato fosse renovado. Isso demonstraria, de acordo com o advogado, que não houve pedido de propina para a assinatura do papel. (Com agências noticiosas)