Título: Em votação secreta, Câmara deve cassar mandato de Jefferson
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2005, Política, p. A7

Em votação secreta, a Câmara decide hoje a sorte do deputado Roberto Jefferson (RJ), presidente licenciado do PTB e personagem central de um escândalo que corroeu a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - a denúncia de que o PT pagava parlamentares em troca de apoio político no Congresso. O prognóstico dos partidos é que Jefferson terá o mandato cassado e os direitos políticos suspensos por oito anos. O PTB prometeu apoio integral de seus 45 votos a seu presidente licenciado. Uma última cartada será tentada no plenário: os congressistas têm imunidade de opinião, palavras e voto. É pouco provável que dê certo. Jefferson já acumula uma série de derrotas desde que foi aberto o processo de cassação de seu mandato: perdeu por 14 a 0 no Conselho de Ética e, ontem, a Comissão de Constituição e Justiça rejeitou um recurso pelo qual seus advogados tentavam anular a decisão do conselho, sob a alegação de cerceamento de defesa. O próprio Jefferson, que ontem apareceu na Câmara e participou de uma reunião com a bancada do PTB, admitia a possibilidade da derrota. Dizia que, se tiver o mandato cassado, se tornará cantor. O deputado promete fazer um duro discurso contra o governo e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Vou falar bem do presidente Lula e desse núcleo duro dele", ironizou. Jefferson nem mesmo descartou a possibilidade de recorrer a um gesto dramático: a apresentação dos R$ 4 milhões que recebeu do PT, por meio do empresário Marcos Valério, para financiar a campanha eleitoral de 2004. Limitou-se a dar uma gargalhada ao ser questionado sobre o assunto. "Estou pronto para o que der e vier. Só quero que chegue logo a hora", afirmou. É certo que Jefferson fará um discurso duro contra Lula e o governo, pelo menos no tom que já vem apresentando nos comerciais de televisão exibidos pelo PTB nas últimas semanas. Mas não está claro se o deputado implicará o presidente no pagamento do mensalão. Na reunião na liderança do PTB, ontem à tarde, ele telefonou para a filha Cristina Brasil, vereadora no Rio de Janeiro. Contou que a avaliação do partido era de que ele não deveria atacar o presidente. De fato, Jefferson ouviu mais do que falou ao longo do encontro com a bancada. O PTB não chegou a fazer uma avaliação dos votos com os quais Jefferson pode contar. A obrigação de conseguir os 257 votos necessários à condenação (maioria absoluta da Câmara), segundo o deputado Luiz Antonio Fleury Filho (SP), é dos partidos que pretendem cassar o petebista. Mas um exemplo ocorrido recentemente dá alguma esperança aos correligionários do deputado. Trata-se do caso do ex-deputado André Luiz, do PMDB do Rio, acusado entre outras coisas de haver tentado extorquir R$ 4 milhões do bicheiro Carlos Cachoeira. Apesar de todos os prognósticos de uma cassação fácil, André Luiz ainda teve 104 votos a seu favor, além de três votos em branco e 33 abstenções. Na avaliação do PTB, Jefferson pode contar com muito mais simpatia, pois a opinião pública estaria dividida em relação a seu papel na crise, tendo conseguido a simpatia de boa parte da população, por ter feito a denúncia. Além disso, o deputado poderia contar com o apoio dos que já estão concretamente ameaçados de cassação, por envolvimento no "mensalão", e de outros que temem vir a ser envolvidos. Algo na linha: se Jefferson não foi cassado, ninguém será. Seja como for, hoje será também o dia D também para outros 17 deputados que receberam dinheiro das contas do empresário Marcos Valério de Souza - ajuda de campanha, segundo o PT, mensalão, de acordo com Jefferson -, cujos pedidos de abertura de processo de cassação do mandato por quebra de decoro foram remetidos ontem pela Mesa da Câmara para o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Trata-se do grupo apontado pelas CPIs dos Correios e do Mensalão como tendo se beneficiado do "esquema" Marcos Valério. Entre outros, integram-no o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) e o ex-líder do governo Professor Luizinho (PT-SP). Esses deputados devem recorrer ao Judiciário contra a decisão da Mesa por considerarem que tiveram cerceado o direito de defesa: não foram ouvidos nas CPIs nem na corregedoria, ao contrário de colegas como José Dirceu. A eventual de Jefferson ocorrerá quatro meses após a entrevista do deputado ao jornal "Folha de S. Paulo", na qual denunciou o mensalão e desencadeou a pior crise do governo do presidente Lula. Um dos desdobramentos da crise foi a dissolução completa do núcleo mais influentes do governo e mais próximo do presidente Lula, no qual se destacavam José Dirceu e o ex-ministro Luiz Gushiken. Na seqüência, a Câmara deverá votar também a cassação do mandato de José Dirceu. Mas antes de tentar algo contra Lula, a oposição terá de resolver a situação do presidente da Casa, Severino Cavalcanti.