Título: A briga que ameaça o governo Lula
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2005, Especial, p. A14

Crise Disputa entre Dantas e fundos de pensão dividiu Gushiken e Dirceu e envolveu até Clinton

A briga de três fundos de pensão com o banqueiro Daniel Dantas dividiu o governo Lula e está na gênese dos escândalos que provocaram a crise política que já dura quase quatro meses. Do lado dos fundos, ficou Luiz Gushiken, então ministro da Secretaria de Comunicação do Governo e Gestão Estratégica, e do outro, José Dirceu, ministro da Casa Civil até junho deste ano. É predominante dentro do governo essa percepção, colhida pelo Valor em conversas com pelo menos uma dúzia de personagens que participaram direta ou indiretamente da disputa empresarial envolvendo três fundos de pensão ligados a empresas estatais (Previ, Petros e Funcef), o grupo Opportunity, o Citigroup e a Telecom Itália. A disputa em questão é pelo controle da Brasil Telecom (BrT), a terceira maior empresa de telefonia fixa do país. Especialista em previdência complementar, Gushiken, já no início do governo Lula, procurou blindar os fundos de pensão da influência de Daniel Dantas, o dono do Opportunity. Para tanto, influiu de forma decisiva na nomeação dos presidentes dos dois maiores fundos de pensão do país: Sérgio Rosa, para o comando da Previ, e Wagner Pinheiro, para o da Petros. Tanto Rosa quanto Pinheiro são filiados ao PT, também especialistas em previdência complementar e amigos de longa data de Gushiken. Mesmo os fundos de pensão não estando sob sua jurisdição, o então ministro manteve os dois fundos e a Funcef, a fundação dos funcionários da Caixa Econômica Federal, dirigida por outro petista (Guilherme Lacerda), sob seu monitoramento. "O apoio do Gushiken foi sempre moral porque ele não tinha nenhuma função institucional nessa área. Ele nunca interferiu diretamente na gestão", afiança o dirigente de um fundo. Envolvidos numa disputa judicial com o Opportunity que, no início do governo, estava entrando no seu quinto ano, os dirigentes dos fundos tomaram a iniciativa de relatar suas posições a três ministros, além de Gushiken: Miro Teixeira (Comunicações), Waldir Pires (Corregedoria da União) e Antonio Palocci (Fazenda). Nesse primeiro momento, Dirceu não foi procurado pelos fundos. O interesse das fundações era destituir Daniel Dantas da gestão do fundo CVC Nacional, que geria a participação dos fundos no capital da BrT. Mesmo considerando "frouxa" a atitude da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em relação ao Opportunity, os fundos conseguiram seu intento em outubro de 2003. Aquela foi a primeira da série de derrotas sofridas por Dantas no governo Lula. Em julho do ano seguinte, a Polícia Federal (PF) descobriu que, a serviço de Dantas e da presidente da BrT, Carla Cicco, a empresa americana de investigação Kroll havia espionado Gushiken e Cássio Casseb, então presidente do Banco do Brasil. A descoberta deflagrou um forte cerco da PF a Dantas e suas empresas - numa operação, a polícia apreendeu computadores do empresário na sede de sua empresa e em sua residência. Aquela foi a segunda derrota de Dantas no governo Lula. Curiosamente, foi naquele momento também, segundo integrantes do governo, que ocorreu a aproximação do empresário com pessoas do governo e do PT. Haveria razões de lado a lado para isso. O PT, em ano eleitoral, precisava de dinheiro para bancar suas campanhas. Dantas, por sua vez, estava preocupado não apenas com a ação da polícia sobre seus negócios, mas com a realização de uma operação - a venda da Telemig para a Vivo. A Newtel, o veículo societário que detém o controle da Telemig, denunciou à Anatel, por iniciativa de Dantas, a participação cruzada da Previ no controle da Telemar - e através dela, na Oi - e da Telemig Celular. A participação no capital da Telemar se dava de duas formas: diretamente, por meio de bloco minoritário, fora do bloco de controle; e indiretamente, por meio do controle do grupo La Fonte, um dos acionistas da Telemar. Por causa dessa segunda participação, a Anatel decidiu obrigar a Previ a optar por ficar no controle da Telemar ou da Telemig. Como já sabia, desde o início de 2004, do interesse da Vivo pela Telemig, a Previ achava que perderia dinheiro se não participasse da decisão de venda da empresa - na Newtel, o fundo tem poder de veto em relação à venda de ativos da Telemig. Por isso, optou por deixar o conselho do La Fonte, eliminando, portanto, sua participação indireta no bloco controlador da Telemar. Foi naquele momento que, segundo depoimentos colhidos pelo Valor, o lobby pró-Dantas se intensificou. Primeiro, Valmir Camilo, um dos conselheiros da Previ, pediu reunião extraordinária da fundação para analisar a decisão da diretoria. Depois, foram convocadas mais duas reuniões e, em meio a esse movimento, surgiu, para surpresa de todos, a opinião, contrária à saída do bloco da Telemar, de Henrique Pizzolato, um petista como Rosa, Pinheiro e Lacerda, presidente do Conselho Deliberativo da Previ e diretor de marketing do Banco do Brasil. Pizzolato, que na diretoria do BB contratou agências de publicidade do empresário Marcos Valério de Souza e é acusado pela CPI dos Correios de ter recebido R$ 326 mil do valerioduto, pediu novas reuniões do Conselho da Previ para tratar do assunto. "Olha, acho que precisa ver, tem gente preocupada", teria dito Pizzolato aos diretores da Previ, segundo testemunhas ouvidas pelo Valor. "Ao justificar os pedidos de reunião, Pizzolato, sem entrar em detalhes, deixou mais ou menos claro que havia sido chamado por alguém do governo para conversar sobre o assunto. O que aconteceu foi que o Opportunity vendeu, em alguma instância do governo, a versão de que tínhamos feito uma coisa errada. Quem o chamou para explicar? Acredito que o Zé Dirceu. As conversas foram cifradas", diz um dirigente da Previ. Preocupado com o comportamento de Pizzolato, Sérgio Rosa procurou Gushiken e Palocci e, pela primeira vez, José Dirceu. Queria saber, afinal, se o governo tinha algum óbice à decisão tomada pela diretoria do fundo. Gushiken e Palocci mandaram Rosa seguir adiante com a decisão tomada. Dirceu não deu nenhuma orientação específica, mas mostrou que estava muito bem-informado sobre o assunto. Nesse meio-tempo, segundo relato de dirigentes dos três fundos de pensão e de um ministro, o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, apareceu, fazendo perguntas sobre a decisão da Previ. Um dos dirigentes sustenta que ele não deu orientações nem fez pedidos, mas um outro assegura que Delúbio afirmou que a briga com Dantas não interessava ao governo nem ao PT. A desconfiança da Previ e dos outros dois fundos de pensão era que o Opportunity queria vender a Telemig para se capitalizar e, com o dinheiro, adquirir a participação do Citigroup na BrT. Com isso, ficaria senhor absoluto do controle da BrT, consagrando a participação minoritária dos fundos no capital da empresa. O fracasso da venda da Telemig animou os fundos de pensão em sua disputa com Dantas. Os fundos vinham tentando se aproximar do Citigroup desde o início de 2004. Viram no episódio da Telemig uma chance para avançar as conversas. De fato, o diálogo prosperou e, em dezembro daquele ano, o esboço de um contrato - o acordo da "put", pelo qual Citi e fundos se comprometem a vender conjuntamente suas participações até novembro de 2007 - ficou pronto. Apesar disso, o banco americano botou o pé no freio. Inicialmente, os representantes do Citi disseram aos fundos que gostariam de tentar uma saída negociada com o Opportunity. Eles teriam usado o acerto prévio com os fundos de pensão para pressionar Dantas. O banqueiro, por sua vez, avisou aos americanos que os fundos de pensão não fechariam o contrato com o Citi. Os negociadores do banco americano ficaram preocupados com a forma taxativa com que Dantas fez seu vaticínio. Procuraram, então, averiguar no governo se os fundos tinham sustentação para bancar o acordo. "É evidente que eles devem ter procurado perceber, se informar, de várias maneiras diferentes sobre se, fazendo um acordo com os fundos, eles estariam contemplando a maior parte do governo", diz um assessor graduado do governo. O Citi só assinou o acordo com os fundos em março deste ano, mês em que também destituiu o Opportunity da gestão do CVC estrangeiro, o fundo que gere sua participação no capital da BrT. Esta foi a maior derrota sofrida por Dantas, a que lhe deu a certeza de que o governo do PT agiu deliberadamente para expulsá-lo do setor de telecomunicações. Integrantes do governo desconfiam que o ex-ministro José Dirceu pode ter tido participação num terceiro episódio de lobby pró-Dantas. É que, um mês depois da assinatura do acordo entre o Citi e os fundos de pensão, a Telecom Itália e o Opportunity, inimigos figadais desde a privatização das teles, em 1998, se associaram. A desconfiança é que, já sabendo do acordo dos fundos com o Citi, Dirceu teria se reunido com a cúpula da Telecom Itália em janeiro, em Milão, para interceder em favor de Dantas. O encontro realmente aconteceu, mas o ex-ministro, por meio de sua assessoria, nega que tenha tratado desse assunto com os italianos. A guerra empresarial em torno do controle da BrT é tão acirrada que os envolvidos têm contratado personalidades de peso para atuar na briga. Recentemente, por exemplo, a Telecom Itália contratou ninguém menos que o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, para interceder, em Nova York, junto ao Citigroup. A razão é simples. Robert Rubin, que foi secretário do Tesouro americano na gestão de Clinton na presidência, é vice-presidente do Citi e pode, portanto, a facilitar o diálogo dos italianos com os americanos. No Brasil, os italianos contrataram um personagem conhecido dos investidores: Naji Nahas.