Título: Negociação agrícola só sai com acordo UE-EUA
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2005, Brasil, p. A3

O desbloqueio da negociação agrícola na Rodada Doha continua dependendo de um acordo entre os Estados Unidos e a União Européia (UE) sobre corte de tarifas e subsídios. Essa situação é um verdadeiro dilema, porque um entendimento entre os dois grandes sempre traz riscos. A constatação é do embaixador brasileiro na Organização Mundial de Comércio (OMC), Luiz Felipe de Seixas Corrêa, na véspera do encontro EUA-UE em Washington e de nova sessão especial de negociações agrícolas em Genebra. A última proposta agrícola conjunta apresentada por Washington e Bruxelas, em Cancún, contemplou praticamente só seus próprios interesses. Isso causou a revolta do Brasil e de outros exportadores, Daí surgiu o G-20, grupo que alterou de vez as relações de forças na OMC. Embora acredite que "a lição de Cancún foi aprendida", Seixas enfatiza: "É essencial que os EUA e a UE se ponham de acordo para a negociação avançar, mas que seja um acordo hospitaleiro, oferecendo ganhos reais às exportações dos países em desenvolvimento." No fim de semana, reunidos no Paquistão, os ministros do G-20, o grupo liderado pelo Brasil, alertaram que não aceitarão acordo com baixo nível de ambição em agricultura. Também advertiram que não querem ser confrontados com uma proposta "de cima para baixo" que possa sair da cartola do novo mediador agrícola ou de Pascal Lamy, novo diretor-geral da OMC. Rob Portman, o negociador comercial chefe dos EUA, apresenta o encontro de amanhã com o comissário europeu Peter Mandelson como tentativa para "alcançar uma base comum entre nós para que assim outros países possam depois vir a bordo". Já o porta-voz agrícola da UE, Michael Mann, rejeita a idéia de que haverá um acordo entre ambos, pelo menos agora. "Buscamos flexibilidade de ação." A avaliação de Seixas Corrêa é de que a UE não está indicando flexibilidade, mas parece comprometida, senão não faria tantos encontros como está fazendo atualmente. "Já os EUA não indicam nada. São uma incógnita." Washington quer mais cortes de tarifas. A UE cobra mais cortes de subsídios americanos. O Brasil quer ampla redução de ambos. Em contrapartida, quer pagar pouco na abertura de produtos industriais. "O único acordo que interessa ao Brasil é que ambos se movam", diz Pedro de Camargo Neto, da Sociedade Rural Brasileira. Também amanhã 148 países abrirão em Genebra a primeira sessão especial agrícola neste segundo semestre. Os principais protagonistas fazem sucessivas reuniões. O novo mediador agrícola, o neozelandês Falconer Crawford, não alimenta ilusões, mas consulta os países sobre suas margens de manobra. Só que esse ímpeto não se traduz em avanço concreto. Seixas Corrêa não vê ninguém em Genebra com expectativa realista de que os países vão aprovar "modalidades completas" para agricultura e produtos industriais em dezembro, na conferência ministerial de Hong Kong. Ou seja, chegar a um consenso sobre os percentuais de corte das tarifas e dos subsídios. Mas ressalva que nenhum país diz que isso é impossível, até para evitar desmobilizar a negociação. Os negociadores já falam de um plano B. Se realmente não houver progressos até o fim de outubro, o pacote de Kong Hong deverá se limitar ao que deveria ter sido aprovado em julho: princípios gerais sobre a maneira de liberalizar em agricultura e produtos industriais. Os percentuais de redução ficariam para no primeiro trimestre de 2006. "O G-20 já apresentou suas propostas agrícolas em julho para não ficar parado esperando que a UE e os EUA desçam do Olimpo e digam quais os termos do acordo agrícola", diz Seixas Corrêa.