Título: Receita vira o jogo nas autuações fiscais
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2005, Brasil, p. A4

Tributação Decisões do Conselho de Contribuintes têm sido desfavoráveis às empresas

Inconformada com o fato de a Cervejarias Kaiser ter se beneficiado de um vai-e-vem do Judiciário e nunca ter recolhido a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), tributo criado em 1988 e em vigor até hoje, a Receita Federal autuou a empresa em 1997. A fabricante de bebidas questionou a cobrança e conseguiu derruba-la sem precisar discutir a contribuição em si. Simplesmente alegou erros formais, como falta de assinatura, valores e legislação incorretamente identificados. Dois anos depois, a Receita voltou a autuar a cervejaria para cobrar a contribuição. A Kaiser questionou novamente mas, dessa vez, a Receita conseguiu decisão favorável no Conselho de Contribuintes, um tribunal administrativo responsável pelo julgamento de autuações fiscais. A decisão foi formalizada no último mês. A Bridgestone Firestone do Brasil passou por história semelhante. Conseguiu derrubar uma autuação com argumentos meramente formais, mas perdeu depois. A diferença é que no caso da fabricante de pneus a cobrança era outra: a da CSLL devida por conta de um expurgo inflacionário do Plano Collor. Os casos da Kaiser e da Bridgestone Firestone ilustram um novo cenário que o Fisco vem construindo principalmente desde 2003, com uma estratégia que inclui corrigir erros cometidos em autuações e emitir novas cobranças impecáveis do ponto de vista formal e difíceis de ser derrubadas quando da discussão dos tributos em si. "Cerca de 20% a 25% das autuações caíam por vício formal e isso já foi reduzido para menos de 10%", diz o secretário-adjunto da Receita Federal do Brasil, Paulo Ricardo de Souza Cardoso. Aliado a outros fatores, como o fechamento de brechas legais e o monitoramento mais próximo do Fisco nos julgamentos da autuações, a Receita não só reduziu o índice de erros como também mudou o placar no Conselho de Contribuintes. Em 2000, de cada dez autuações fiscais da Receita, cinco eram derrubadas pelo Conselho. Hoje, diz Cardoso, de 70% a 75% das autuações são mantidas integralmente. Embora não tenham estatísticas, advogados de grandes escritórios confirmam que a proporção de autuações derrubadas no Conselho foi reduzida e que o quadro anunciado pelo secretário, se ainda não for realidade, é a tendência do atual Conselho. "A reformulação do Conselho e um maior cuidado da fiscalização nas autuações contribuíram para isso. O Fisco está muito combativo hoje no julgamento das autuações", diz Edison Fernandes, ex-membro do Conselho de Contribuintes e sócio do Fernandes, Figueiredo Advogados. Tal mudança torna-se visível exatamente no momento em que o Conselho aumentará suas atribuições, passando também a julgar não só as autuações relativas aos tributos da antiga Receita Federal como também as contribuições previdenciárias. A alteração se deu a partir de 15 de agosto, quando a atual Super Receita reuniu a arrecadação e fiscalização de todos os impostos e contribuições federais. Os advogados percebem que a mudança de placar se deve muito à atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão responsável pela defesa das autuações da Receita no Conselho. A exemplo do que já acontece há mais tempo no Judiciário, o monitoramento do Fisco também no Conselho de Contribuintes tem focado as discussões que envolvem maior número de empresas ou valores mais significativos. A própria discussão sobre o prazo de validade do uso dos dados proporcionados pela Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) é um bom exemplo. Embora a CPMF tenha sido criada em 1996, foi somente em 2001 que a legislação permitiu que a Receita usasse os dados da contribuição para fiscalizar o pagamento de outros tributos. A alteração abriu uma polêmica. Os tributaristas defendiam a tese de que a Receita poderia utilizar os dados da CPMF apenas para cobrar tributos devidos a partir de 2001. A Receita sempre teve uma interpretação mais ampla, defendendo que ela poderia usar os dados para fiscalizar o que estivesse sujeito à atuação desde 2001. Ou seja, como o Fisco tem prazo de cinco anos para autuar, a Receita poderia fazer cobranças com base nos dados da CPMF para cobrar tributos desde 1996. No início, o tema tinha julgamento favorável aos contribuintes em algumas câmaras do Conselho de Contribuintes. "Depois a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional fez um trabalho intenso de acompanhamento dos processos e de defesa de sua posição e o Fisco conseguiu decisões favoráveis em todas as câmaras, inclusive nas que decidiam em prol do contribuinte anteriormente", diz o advogado Plínio Marafon, do Braga & Marafon. O aval do Conselho tem propiciado enxurradas de autuações fiscais com base nos dados da CPMF. E o conselho tem mantido sua validade. "Antes somente os advogados levavam memoriais aos juízes", lembra Fernandes, referindo-se ao documento no qual os tributaristas costumam relacionar todos os argumentos possíveis em defesa das empresas. Agora, diz o advogado, a Procuradoria também leva memoriais aos juízes e, mais recentemente, adotou a estratégia no Conselho de Contribuintes. Resta às empresas tentar prolongar a discussão tributária em outras esferas. A Kaiser, por exemplo, não conseguiu derrubar a cobrança da CSLL no Conselho e agora discute a questão na Justiça. Segundo sua assessoria de imprensa, a cervejaria ainda não recolhe a contribuição, mas deposita em juízo os valores em jogo. Procurada, a Bridgestone Firestone disse que ainda não tem conclusão sobre a decisão do Conselho e preferiu não se manifestar.