Título: O emprego da produção estatística na democracia
Autor: Luiz Carlos Mendonça de Barros
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2005, Opinião, p. A12

Governos usam dados para justificar qualidade dos mandatos

Nas modernas sociedades, as estatísticas, sua produção e interpretação, são dois instrumentos que alguns ocupantes transitórios do poder procuram utilizar para justificar a qualidade de seus mandatos. Cabe às democracias desenvolver mecanismos de defesa contra a possibilidade de manipulação destas informações. Neste sentido, o debate que tem sido provocado pelo senador Arthur Virgílio do PSDB em relação ao ufanismo do governo sobre a criação de empregos em 2004 faz parte de suas responsabilidades como um dos líderes da oposição no Senado. O ministro Luiz Marinho e seus assessores, muitos deles oriundos do Dieese e da CUT, conhecem bem as armadilhas do ufanismo do governo em relação às estatísticas. Ainda na transição democrática, nos anos 80, criaram a PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego), para confrontá-la com as estatísticas oficiais sobre emprego e desemprego produzidas pelo IBGE; assim teriam parâmetros independentes do governo. As posições mudaram e hoje, ocupantes do poder, os antigos fiscais manipulam os dados, com o intuito da manutenção do poder conquistado. Em artigo recente, o ministro do Trabalho retoma o tema de que a geração de empregos no governo Lula tem sido muito superior à verificada nos anos FHC. Diz ele que isto ocorreu em função "da conjugação de todas as suas políticas governamentais". Ou seja, a maior oferta de trabalho, principalmente no mercado formal regulado pela CLT, é fruto das políticas adotadas pelo governo Lula a partir de sua posse, em janeiro de 2003. Vamos deixar de lado as questões metodológicas levantadas pelo senador Artur Virgílio, principalmente a que se refere à mudança da metodologia utilizada pelo Caged em 2002, que torna pouco precisa a comparação entre o período FHC e Lula, e nos fixarmos na afirmação do ministro sobre as causas do sucesso do governo petista. Para tanto, vamos buscar nos anos Lula quais são as novas "políticas governamentais" que causaram este novo dinamismo do mercado de trabalho defendido pelo antigo presidente da CUT. A opção, tardia mas bem vinda, feita pelo presidente Lula, por uma economia de mercado e aberta ao mundo global atual, nos facilita esta busca. Certamente não terá sido nenhuma ação na construção do antigo socialismo utópico defendido pelo PT o responsável por esta maior geração de empregos no Brasil de hoje. A política econômica do ministro Palocci é uma continuação, reconhecida por todos, da que prevaleceu nos chamados anos FHC. Portanto, não podemos encontrar na busca de superávits primários para estabilizar a relação dívida/ PIB, na administração rígida de um sistema de metas de inflação e na priorização das exportações como mecanismo de dinamizar a atividade econômica as citadas "políticas governamentais" do governo Lula.

Recuperação do emprego formal identificada pelo Caged, a partir de 2004, veio das empresas ligadas à exportação

Este "rumo" foi definido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 1994, quando da implantação do Plano Real. Mesmo alterações importantes da política econômica, como a adoção do sistema câmbio flutuante e do sistema de metas de inflação, foram realizadas no segundo mandato do presidente tucano. De modo que as "políticas governamentais" a que se refere o ministro do Trabalho em seu artigo são as mesmas que prevaleceram entre 1994 e 2002. Não houve nenhuma ruptura com o modelo neoliberal tucano, como foi prometido na campanha eleitoral de 2002 e nos primeiros dois anos do mandato de Lula. Se diferenças existem entre a política econômica do governo a que o senhor Luiz Marinho serve como ministro do Trabalho e a de Fernando Henrique, estas são um maior rigor fiscal e uma política monetária mais conservadora ainda. Os juros reais no período 2003/2005 têm sido maiores do que nos anos anteriores. Portanto, associar a geração de emprego a méritos da política econômica do governo é jogar fora, de maneira deslavada, a tese da herança maldita defendida com vigor pelo governo Lula. Também não foi nenhuma medida criativa do governo, como durante algum tempo foi vendido o chamado Programa do Primeiro Emprego, por exemplo, a causa desta mudança no mercado de trabalho. O fracasso desta e outras ações do governo neste período falam por si só, inclusive porque o governo há muito retirou de sua publicidade estes factóides. Como explicar portanto o crescimento havido no número de empregos com carteira dos últimos meses? Pela simples razão de que a manutenção da política econômica herdada do governo anterior, em um momento de grande dinamismo do comércio internacional, permitiu um extraordinário crescimento da atividade do setor exportador. Veio das empresas ligadas à exportação, a partir do ano passado, a recuperação do emprego formal identificada pelo Caged. Não preciso lembrar que durante anos, até depois de eleito, o presidente Lula pregava a mudança do modelo econômico, com o fortalecimento do mercado interno e menos ênfase nas exportações. Ele inclusive considerava um verdadeiro crime a exportação de alimentos em um país em que milhões passavam fome. Da mesma forma, o atual ministro do Trabalho vociferava nos encontros da CUT contra a política econômica anterior e a necessidade de mudanças radicais. A verdade salta, portanto, aos nossos olhos. A euforia que emana das palavras do senhor Luiz Marinho, em seu artigo para o Valor, deve-se à consistência e acerto do rumo traçado por Fernando Henrique Cardoso quando presidente da República.