Título: Fundações terão de negociar papel de renda fixa por meio eletrônico
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2005, Finanças, p. C1

Previdência Privada Medida amplia transparência em transações com títulos públicos e privados

A Secretaria de Previdência Complementar (SPC) iniciou uma verdadeira cruzada para que os fundos de pensão passem a utilizar plataformas eletrônicas também nos negócios com títulos de renda fixa. Hoje, eles são forçados por regulamentação a usar esse instrumento só para a compra e venda de papéis de renda variável. Não é à toa que muitas das suspeitas de ilegalidade das Comissões Parlamentares de Inquérito em relação aos fundos de pensão dizem respeito aos negócios com títulos de renda fixa: papéis públicos e de bancos (como os Certificados de Depósito Bancário) negociados no mercado de balcão, entre as partes. "Queremos tirar o caráter pessoal das operações de renda fixa feitas pelos fundos de pensão", diz Ricardo Pena Pinheiro, diretor de assuntos econômicos da SPC. A formação de preço dos papéis é mais transparente e justa nos ambientes eletrônicos, afirma. "A tarefa do fiscalizador é facilitada, pois ficam registrados não apenas os preços dos negócios entre as partes como também os preços praticados no mercado no momento do fechamento do negócio", diz. Neste momento, a SPC está em campanha para estimular a migração voluntária dos fundos para esses ambientes eletrônicos. Se não conseguir adesão a contento até o fim deste ano, pretende pedir ao Conselho Monetário Nacional (CMN) que baixe regulamentação tornando a medida compulsória. "Dependendo do nível de adesão dos fundos, vamos estipular a obrigatoriedade." Sem a negociação dos títulos em plataformas eletrônicas, fica difícil saber se o preço praticado no fechamento do negócio era aquele mesmo ou se houve um prejuízo proposital para o fundo, que depois foi utilizado ilegalmente por interessados. "Hoje, é complicado até para o conselho fiscal dos próprios fundos de pensão avaliar as operações", diz ele. Uma das plataformas eletrônicas de negócios com renda fixa é o Sisbex, da clearing de ativos da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), que se especializou nos títulos públicos federais e já gira valores que representam cerca de 50% do mercado secundário, segundo o diretor Luis Gustavo da Matta Machado. Os valores negociados de operações definitivas e compromissadas (empréstimos com garantia em títulos públicos) chegaram a R$ 8,6 bilhões na média diária de maio, caindo para R$ 4,5 bilhões em agosto. Mas, segundo Matta Machado, os fundos de pensão praticamente não atuam no Sisbex também por causa de regras que não atendiam às necessidades da indústria. A BM&F, informa ele, está para baixar uma circular com nova regulamentação que deverá entrar em vigor no dia 26 de setembro. Além disso, de acordo com o diretor, a clearing da BM&F está para lançar uma operação compromissada chamada de dirigida, na qual o foco é o lote de títulos que entram como garantia no empréstimo. "O produto deve estimular a participação dos fundos", afirma. No Sisbex, as ofertas apresentadas nas rodas de negócios são classificadas por ordem crescente, de acordo com o melhor preço para o comprador ou para o vendedor. "O investidor tem acesso a todas as ofertas de compra ou venda do mercado de uma só vez", diz Matta Machado. Em uma operação entre as partes, a checagem das ofertas fica mais restrita. "Tem muito fundo de pensão perdendo dinheiro fazendo operações de balcão quando poderia usar de graça o CetipNet, nossa plataforma eletrônica", diz Jorge Sant´Anna, superintendente de Produtos da Cetip (Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos). Na plataforma eletrônica da Cetip, pela qual passa parte crescente do mercado primário de Certificados de Depósitos Bancários (CDBs), ficam registrados a hora na qual foi realizado o negócio, quem participou - inclusive o nome dos envolvidos - e os preços do negócio e do mercado na hora que a operação foi fechada. "Se algum fundo não usou o melhor preço, tem de se justificar por escrito", afirma Sant'Anna, que diz estar "pregando no deserto" para ampliar o uso do CetipNet. Do total de R$ 257 bilhões em CDBs registrados na Cetip, aproximadamente R$ 17,5 bilhões foram fechados por meio do CetipNet desde o início do ano passado. Já o mercado secundário de debêntures, que gira R$ 14 bilhões por ano na Cetip, praticamente não passa pelo CetipNet, conta Sant'Anna. O Bovespa Fix, plataforma eletrônica de negociação de renda fixa da Bolsa de Valores de São Paulo, girou R$ 1,4 bilhão em debêntures em 2004. Também negocia Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. Charles Toledo, gerente de operações de renda fixa da Bovespa, acredita que quando for permitida a venda a descoberto de papéis de renda fixa - regulamentação que está para sair - os negócios por meio da Bovespa Fix vão crescer. "Os fundos poderão emprestar ao nosso banco de títulos e ganhar uma remuneração melhor só por isso." Segundo ele, há uma tendência dos reguladores no mundo todo de olhar mais de perto os mercados de renda fixa de balcão, que ainda são pouco regulamentados e muitas vezes permitem lavagem de dinheiro e outras irregularidades. "As plataformas eletrônicas, além de transparentes, ajudam os fundos a fazer uma marcação a mercado mais precisa, pois sinalizam o preço justo", afirma.