Título: Negociação entre entidades aumenta a liberação de recursos
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2005, Finanças, p. C8

Com um histórico de perdas causadas por intervenções estatais, através de subsídios e tabelamentos de taxas de juros, o interesse dos bancos no crédito imobiliário foi caindo ao longo dos anos. Segundo dados do Banco Central (BC), o saldo dos empréstimos neste segmento caiu de R$ 55,9 bilhões no final dos anos 90 para pouco mais de R$ 27 bilhões hoje. Enquanto no Brasil o crédito imobiliário ocupa participação estimada de apenas 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e menos de 5% dos ativos bancários, nos países desenvolvidos supera 100% do PIB e nos países em desenvolvimento como Chile e México atinge 80%. Na Espanha 50% dos ativos bancários estão aplicados no crédito imobiliário e, na Inglaterra, só o HSBC tem 9 bilhões de libras esterlinas aplicados no setor (perto de R$ 40 bilhões). A má qualidade dos créditos e a queda na renda da população brasileira elevaram a inadimplência do crédito imobiliário na carteira antiga para a faixa de 30%, a mais elevada taxa entre todas as linhas de crédito disponíveis no mercado. Na produção recente (depois de 2000) esse índice é de apenas um dígito. A instabilidade econômica não ajudou. A inflação alta, controlada com juros altos, tornou mais interessante para os bancos aplicar em títulos públicos do que correr o risco do crédito. Sem crédito, o déficit habitacional só fez crescer e hoje é de mais de 6 milhões de residências, a maioria proveniente da população com renda abaixo de 10 salários mínimos. A caderneta de poupança é a principal fonte de recursos para o crédito imobiliário dos bancos privados. Apesar de obrigados a aplicar 65% do saldo das cadernetas no financiamento à casa própria, os bancos driblaram essa determinação. A tática era contabilizar os créditos contra o Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS), mecanismo criado no governo Sarney para abrigar o saldo devedor dos mutuários, formado pela defasagem entre a correção monetária e o reajuste das prestações. Uma manobra contábil fazia com que as instituições financeiras contassem como emprestado um dinheiro que estava aplicado no FCVS. Os bancos alegavam que o sistema financeiro da habitação é complexo e caro e muitos preferiam ser penalizados com remuneração muito baixa do dinheiro aplicado compulsoriamente no BC do que correr o risco da aplicação em crédito. A partir de 2003, o BC, pressionado pelos empresários da construção civil para que as regras do compulsório fossem cumpridas, patrocinou uma negociação direta entre as entidades que reúnem a produção (Sinduscon, Secovi e CBIC) e os bancos através da Abecip. A discussão resultou, desde o ano passado, em um compromisso de aumento na liberação dos recursos da poupança, à medida que as construtoras apresentassem projetos novos. O acordo, revisto trimestralmente e avalizado pelo BC, tem tido bons resultados. No ano passado, o volume de novos empréstimos para os mutuários e as construtoras e incorporadoras, que mal chegava a R$ 1,5 bilhão em 2002, dobrou para R$ 3 bilhões. Para este ano, a expectativa é atingir R$ 4,5 bilhões, sem contar os recursos da Caixa. O número de unidades financiadas, somando construção e aquisição, atingiu 53,8 mil em 2004, comparado a 36,4 mil em 2003. De janeiro a junho de 2005, mais de 30,6 mil unidades foram financiadas. "Em 40 anos de atuação nesse mercado, eu nunca vi tanto dinheiro disponível", tem dito o presidente do Secovi, Romeu Chap Chap. Porém, alerta, não adianta colocar dinheiro à disposição com as restrições impostas pelos bancos. "É preciso fazer com que a prestação caiba no bolso do mutuário." Os bancos estão se esforçando, responde Luiz Antonio Rodrigues, diretor de Crédito Imobiliário do Itaú e também diretor da Abecip. Ele alega que, além do custo alto do dinheiro, o próprio custo administrativo de manutenção de um contrato de longo prazo para habitação impede que os bancos melhorem a oferta. O sistema financeiro da habitação e o próprio mercado imobiliário brasileiros são travados por um cipoal de regras e mecanismos ineficientes. Comprar e vender um imóvel requer quantidade de documentos absurda, sem contar a elevada tributação e os custos de cartórios e registros. A situação se agrava quando se busca financiar a aquisição ou utilizar o FGTS. As certidões exigidas (dos compradores e vendedores) têm validade só de um mês e a quantidade de documentos é tal que, mesmo que se pague um despachante para tirá-los, muitas vezes, quando um documento sai, o outro já venceu. O sistema de garantia do financiamento, a hipoteca, que funciona bem no mundo inteiro, no Brasil ficou desacreditada. Um dispositivo do Código Civil, que impede a retomada de um imóvel que seja a única residência do mutuário inadimplente, torna longa (cerca de seis anos) e dispendiosa a discussão nos tribunais para o credor recuperar um imóvel não pago. "Muitos mutuários paravam de pagar não só as prestações mas também o IPTU e o condomínio dos imóveis quando entravam na Justiça para questionar o valor das prestações", diz Carlos Eduardo Duarte Fleury, superintendente da Abecip. (JR)