Título: Bancos retomam crédito imobiliário
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2005, Finanças, p. C8

Casa Própria Grandes instituições reduzem juros e traçam estratégias para disputar clientes

Grandes bancos privados estão voltando ao crédito imobiliário, financiando tanto empresas quanto mutuários, em um movimento que pode ser considerado o renascimento do setor depois de quase 20 anos de estagnação. Bancos como Itaú, ABN AMRO Real, HSBC, Santander Banespa e o estadual Nossa Caixa baixaram os juros e traçam estratégia de disputa pelos clientes que almejam a casa própria. O Bradesco também prepara redução de juros que deve anunciar nos próximos dias, garantiu o vice-presidente da área, Decio Tenerello, que também é o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Pela primeira vez em 13 anos, a Caixa Econômica Federal, único agente que se manteve ativo no crédito imobiliário, suprindo boa parte da demanda enquanto os bancos privados se retraíram, vai voltar a emprestar dinheiro da caderneta de poupança. Jorge Hereda, vice-presidente da área de Desenvolvimento Urbano da Caixa, anunciou que o banco federal pretende começar a liberar em outubro uma linha de R$ 1 bilhão em novos empréstimos com juros mais baixos que os atuais 12% ao ano mais TR, mas os detalhes da linha ainda não estão definidos. A Caixa tem orçamento de R$ 10 bilhões para a habitação este ano, em relação aos R$ 8 bilhões em 2004 - dos quais só R$ 6 bilhões foram emprestados. A fonte dos recursos são programas sociais do governo federal como os fundos de Amparo ao Trabalhador (FAT), de Arrendamento Residencial e de Desenvolvimento Social, além de recursos de tesouraria e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que tem orçamento de R$ 6,5 bilhões e é administrado pela Caixa. "A exigibilidade da Caixa com a caderneta de poupança estava tomada", disse Hereda, explicando por que a instituição ficou todo esse tempo sem repassar recursos da poupança. Desde 1º de setembro, o Itaú baixou os juros de 12% ao ano mais a variação da Taxa Referencial de juros (TR) - custo tabelado para crédito dentro do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) - para 8% ao ano, válido só para os primeiros 36 meses de financiamento, retornando, após esse prazo, a 12% ao ano. Luiz Antonio Rodrigues, diretor de Crédito Imobiliário do Itaú, diz que três anos é o prazo máximo que o banco (e o mercado como um todo) consegue "visualizar a variação do CDI" e tomar medidas para proteger as contas do banco. Para o diretor do Itaú, a redução dos juros no princípio do contrato viabiliza a redução da prestação para permitir a entrada de famílias em uma faixa de renda menor. Dessa forma, a prestação inicial de um imóvel avaliado em R$ 90 mil (o banco só financia 70% ou cerca de R$ 60 mil), por 15 anos (180 meses), cai de R$ 956 por mês para R$ 752. A renda familiar necessária para candidatar-se ao financiamento do exemplo acima cai de R$ 3.824 mensais para R$ 3.080, pouco mais de 10 salários mínimos. "Essa diferença de 20% representa 40% a mais de mercado. Parece pouco mas, quando você olha a pirâmide social, a redução da renda familiar necessária inclui muita gente que antes não tinha acesso ao crédito", diz Rodrigues. Pelo sistema do Itaú, após 36 meses, quando os juros voltam para 12%, a prestação deveria subir para R$ 888 (a valores atuais) mas o banco está se comprometendo a elevar para R$ 862, patamar que daí para frente segue para baixo, já que o Itaú utiliza apenas o Sistema de Amortização Constante (SAC). Não se descarta a possibilidade de, ao final desse período, a taxa ser mantida, tudo depende do cenário macroeconômico na época, explica Rodrigues. O mesmo sistema está sendo aplicado pelo HSBC, que a partir deste mês coloca nas agências o financiamento a 8% de juros ao ano pelos primeiros 36 meses, subindo depois para 10,7%. O banco já havia reduzido sua taxa de 12% para 11% em abril, para os imóveis avaliados em até R$ 150 mil. O Banco Real baixou, desde 25 de agosto, os juros de 12% para 9% ao ano mais TR. Os superintendentes da área Antonio Barbosa, Guilherme Vertri e Hus Morgan dizem que a proposta é manter a taxa de 9% ao longo dos 15 anos do contrato. Adicionalmente, cortaram a tarifa bancária - de R$ 20 a R$ 29 por mês, dependendo do contrato - referente à emissão do boleto de cobrança. A taxa de 9% vale para o financiamento de imóveis até R$ 120 mil. Acima desse valor e até R$ 350 mil, foi mantida em 12% ao ano e, para imóveis de valores superiores, o Real cobra 13% mais TR, sempre limitado a 70% do valor do imóvel. A Nossa Caixa também baixou os juros de 12% para 9% ao ano mais TR, porém limitou o valor do imóvel para essa linha a R$ 40 mil, em uma iniciativa voltada exclusivamente para a baixa renda. De R$ 40 mil a R$ 80 mil, os juros são de 10% ao ano; de R$ 80 mil a R$ 120 mil, 11% e para imóveis acima de R$ 120 mil, os juros foram fixados em 12% ao ano para os clientes do banco em geral e 11% ao ano para os funcionários públicos - predominantes na carteira do banco estadual. Além disso, a Nossa Caixa aumentou o limite de financiamento dos imóveis, de 70% para 80% e voltou a emprestar dinheiro para construtoras e incorporadoras depois de 12 anos fora desse mercado. Ao lado do SFH estão surgindo produtos novos como o do banco espanhol Santander Banespa que lançou um programa, o SuperCasa 10, com parcelas fixas a juros de 1,63% ao mês (21,4% ao ano), dez anos para pagamento, voltado para imóveis de valor acima de R$ 350 mil. Os juros mais altos são compensados pela garantia de que não haverá reajuste nem saldo devedor no final, afirma José Manoel Alvarez Lopez, superintendente de crédito imobiliário do banco. Segundo Lopez, o modelo é inspirado em produto parecido ofertado pelo Santander na Espanha, Chile e México. A taxa de juros - muito mais alta que naqueles países - está em linha com o estratosférico custo do dinheiro vigente no país. O Santander alega que trabalha com recursos do próprio caixa para viabilizar o SuperCasa 10 e não da caderneta de poupança, em que as condições são tabeladas. A volta dos bancos ao crédito imobiliário tem como pano de fundo uma mudança recente na legislação, que trouxe instrumentos e incentivos novos ao mercado. Mas, em um primeiro momento, está mais relacionada a uma decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) que flexibilizou as regras para aplicação do dinheiro captado pelos bancos nas cadernetas de poupança. Os bancos são obrigados a destinar 65% dos recursos da poupança em financiamentos imobiliários, dos quais 58,5% devem ser aplicados em financiamentos diretos aos mutuários. Se não o fizerem são obrigados a depositar o valor equivalente em uma conta no BC onde, até o ano passado, recebia remuneração equivalente à da caderneta de poupança (TR mais 6% ao ano). Pelas novas regras, o BC passou a "punir" essa aplicação com remuneração de 80% da variação da TR. O BC está permitindo aos bancos, pelas novas regras, contar em até três vezes o valor emprestado no cumprimento da exigibilidade, quanto mais baixas as taxas de juros praticadas no financiamento.