Título: Na ONU, Bush acena com fim de subsídios e barreiras
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2005, Brasil, p. A3

Relações Externas Quero que essa promessa seja cumprida, diz Amorim

O presidente americano, George W. Bush, procurou ontem reanimar as bloqueadas negociações da Rodada Doha. Em discurso à Assembléia das Nações Unidas, afirmou que os Estados Unidos estão dispostos a extinguir todos os subsídios agrícolas e barreiras comerciais. "Os Estados Unidos estão prontos a eliminar todas as tarifas, subsídios e outras barreiras ao livre comércio de mercadorias e serviços se outros países fizerem o mesmo", disse Bush a outros chefes de Estado. O presidente americano já havia mencionado a possibilidade de eliminar totalmente subsídios, mas não barreiras comerciais. Bush concordou com o argumento que vincula terrorismo à pobreza. "Expandindo o comércio, espalhamos esperança e oportunidade a cantos do mundo e combatemos o terrorismo que se alimenta do ódio e ressentimento. Nossa agenda para um comércio mais livre é parte da agenda para um mundo mais livre", afirmou. "A eliminação das barreiras de comércio poderá tirar milhões de pessoas da pobreza nos próximos 15 anos." Se não houver acordo até a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Hong Kong, em dezembro, a Rodada Doha deve fracassar. Embora haja dúvidas sobre o efeito prático da declaração de Bush, a afirmação foi bem recebida tanto pelos negociadores europeus quanto pelo ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim. "Quero que essa promessa dele seja cumprida, vou a Washington na semana que vem e vou cobrá-la do Portman (Robert Portman, representante comercial dos Estados Unidos)", disse ele. O responsável pelas negociações comerciais da União Européia, Peter Mandelson, que estava ontem em Washington em reuniões sobre comércio agrícola, elogiou a declaração de Bush. "Eu endosso o espírito da declaração do presidente, é importante que alguém como o presidente dê tanta atenção à Rodada", disse, segundo a agência Reuters. Numa declaração oficial, Portman afirmou que as declarações do presidente Bush nas Nações Unidas representam um desafio a outros países. "A conclusão bem-sucedida da Rodada Doha trará benefícios a todos e o presidente está nos desafiando a dobrar os esforços", afirmou. A reunião com a União Européia, segundo Portman, foi "construtiva" e "dentro do espírito do desafio do presidente". As reais chances de avançar na redução de subsídios agrícolas, entretanto, estão diminuindo com o enfraquecimento político do presidente Bush. O governo republicano esperou quase um ano para conseguir aprovar o acordo de livre comércio com a América Central por pressão do lobby dos produtores de açúcar. No acordo não havia nenhuma menção de subsídios, apenas uma maior abertura de mercado para importações e mesmo assim em volume pequeno. Além disso, Bush está perdendo popularidade e poder político depois do fracasso da resposta do governo federal aos problemas causados pelo furacão Katrina, que deixou mais de mil mortos no sul dos EUA. Ainda que seja apenas retórica, a declaração poderá ajudar a melhorar o ânimo das negociações. Os EUA começaram a cumprir parte da decisão da OMC que condenou os subsídios ao algodão, principalmente pela ameaça de retaliação brasileira que incluía a possibilidade de quebra de patentes. A indústria protegida pela legislação de propriedade intelectual (farmacêutica, software e gravadoras) também tem um poderoso lobby no Congresso americano, que rivaliza com o lobby agrícola.