Título: Jefferson é cassado por 313 votos e cai atirando em Lula e no PT
Autor: Maria Lúcia Delgado e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2005, Política, p. A6

Crise Próximo a ser julgado pelo plenário da Câmara será o ex-ministro José Dirceu

Ao cassar ontem o mandato do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), a Câmara deu uma indicação de que deve levar até o fim o processo de punição a parlamentares envolvidos no esquema denominado de mensalão. O próximo a ser julgado em plenário será o ex-ministro José Dirceu, acusado pelo petebista de controlar esse pagamento, pelo PT, a deputados da base aliada. Os prognósticos, na Câmara, são de que Dirceu perde os direitos políticos por oito anos com um placar ainda mais desfavorável que o de Jefferson. O deputado foi cassado ontem por 313 votos favoráveis, 156 contrários, 13 abstenções, 5 votos brancos e dois nulos. O mínimo necessário para a cassação seria 257 votos. Roberto Jefferson tinha certeza de que seria cassado quando subiu à tribuna da Câmara ontem, às 17h40. Fez um discurso de despedida. Performático, como sempre, mesclando ironias num ritmo firme e cadenciado, foi direto ao ponto: saiu atirando no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem poupara durante os mais de 100 dias de crise política. "Tirei a roupa do rei", disse. "Mostrei ao Brasil quem são esses fariseus. Mostrei ao Brasil o que é o governo Lula. Mostrei ao Brasil o que é o Campo Majoritário do PT", arrematou o petebista ao fim de 41 minutos de autodefesa. O parlamentar, que atravessou ileso o escândalo PC Farias - apesar de ser da tropa de choque do ex-presidente Fernando Collor de Mello - disse que nunca tinha visto, em 23 anos de mandatos consecutivos, um governo tão corrupto quanto o do presidente Lula. A contagem dos votos sobre a cassação começou por volta de 20h40. No momento em que Lula amarga queda de popularidade, Jefferson acusou o presidente de ser "malandro, preguiçoso". "Gosta de passear de avião. De governar ele não gosta. Se ele não praticou o crime por ação, pelo menos por omissão (praticou)", sentenciou. Jefferson comparou Lula ao ex-presidente do PT José Genoino, que disse desconhecer as ações ilícitas de dirigentes do partido para financiar campanhas eleitorais. "O presidente Lula é uma espécie de Genoino na Presidência da República. Não sabe o que lê, não sabe o que assina, não sabe o que faz", comparou. Disse ainda que ao Palácio do Planalto interessa a "guerra fatricida" no Congresso, com sucessivas cassações de mandatos de parlamentares, para que as investigações não alcancem o governo. "E a turma que financiou (o esquema de corrupção)? Eles não vêm depor na CPI. Eles não são confrontados. Nós é que somos a Geni do Brasil", afirmou. "Temos que ir ao Palácio do Planalto para fazer a investigação. A gente não está puxando a barba do Conde para mostrar onde está o DNA da corrupção", acrescentou. Nesse ponto, Jefferson foi aplaudido por boa parte do plenário e pelas galerias, onde desde cedo se postava uma claque do deputado, com manifestantes vestindo uma camiseta com a inscrição "Eu acredito em Roberto Jefferson". Os aplausos do plenário deram aos aliados de Jefferson a certeza de que ele conseguira, pelo menos em parte, seu objetivo: lançar a suspeita de que o Palácio do Planalto, para se distanciar da crise, tentava transformar o Congresso num reduto de corrupção. Diante de uma cassação inexorável, Roberto Jefferson praticamente poupou o adversário preferencial, o ex-ministro José Dirceu, e destilou seu veneno a novos alvos. Insinuou que o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, controla a Polícia Federal e determina investigações que interessam ao governo. O ministro, segundo ele, seria o responsável pela condução nas investigações nos Correios, que envolveram o nome do ex-diretor Maurício Marinho, correligionário de Jefferson. Sobrou também para o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. "O Buratti (ex-secretário e ex-assessor de Palocci) pegou dinheiro em nome dele (do ministro da Fazenda) e a gente sabia que não era para ele", disse, bastante irônico. O deputado, que foi obrigado a deixar a presidência do PTB no decorrer da crise, afirmou que cumpriu sua missão ao delatar um esquema de corrupção no governo. Jefferson começou a falar em maio deste ano, em entrevista concedida à "Folha de S.Paulo". Foi a partir das denúncias do parlamentar que o país conheceu o empresário Marcos Valério de Souza, que tomou ou avalizou empréstimos para o PT, recurso que o Partido dos Trabalhadores afirma ter usado para campanhas eleitorais, mas que Jefferson insiste em chamar de mensalão, um suposto pagamento regular a deputados em troca de apoio ao governo. Antes de Jefferson apresentar sua defesa, falaram os advogados de defesa e o relator do processo, deputado Jairo Carneiro (PFL-BA). O advogado Itapuã Prestes de Messias fez uma defesa política de Jefferson. Disse que o PT levou 25 anos para convencer o povo brasileiro que seriam um governo que não rouba e não deixa roubar. Argumentou que as acusações contra Jefferson não têm força para que um mandato seja cassado. Para Itapuã, era necessário "sacrificar" o mandato de Jefferson. "Se Jefferson for absolvido resta ao PT apenas o sucesso da política econômica, copiada do PSDB", criticou. Ele sustentou ainda que as denúncias feitas por Jefferson, do pagamento financeiro pelo PT a partidos da base - o mensalão - foram comprovadas. O outro advogado, Luiz Francisco Barbosa, sustentou uma defesa mais técnica. Disse que Jefferson tem imunidade como parlamentar e que, portanto, pode emitir opiniões. "A imunidade material dos parlamentares não é uma construção destinada a uma vaidade, ao indivíduo", disse. Afirmar a existência do mensalão, continuou o advogado, não poderia ser considerado quebra de decoro parlamentar. Barbosa alegou ainda que Jefferson prestou uma contribuição relevante que levou à instalação de duas comissões parlamentares de inquérito no Congresso. O relator, Jairo Carneiro, disse que Jefferson teve uma "conduta reprovável" ao fazer uma denúncia genérica que comprometeu a honra de todo o Parlamento. O líder do PTB, José Múcio Monteiro (PE), defendeu Jefferson na tribuna. "Ele teve coragem de mostrar à sociedade o que nós sabíamos ou tínhamos ouvido falar. Não é cassando parlamentares que vamos limpar a nossa honra. Mais que cassações, precisamos de mudanças de hábitos", alegou Múcio.