Título: Estaremos fadados a ficar na periferia?
Autor: José Augusto Arantes Savasin
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2005, Opinião, p. A14

Maior parte das exportações linhafinabrasileiras para o mundo são de commodities

A evolução do comércio exterior do Brasil com a China, que hoje é o país que mais cresce no mundo, está mostrando uma característica que nós já observamos na década de 50 e que tanto preocupou a Cepal. O valor das importações brasileiras da China está expandindo em um ritmo forte e acelerado, como podemos observar na tabela pelo crescimento de 47% nos primeiros sete meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Nesta mesma base de comparação, o valor das importações totais do Brasil só cresceu 20%. No ano passado, as importações da commodity coque representaram 50% das importações totais, mas em 2005 nossas importações desta commodity foram em média de apenas 4% das importações totais nos primeiros sete meses. As importações de produtos eletrônicos e de comunicações aumentaram 27,5 vezes nos primeiros sete meses deste ano em relação ao mesmo período de 2004. Quando observamos que as indústrias destes setores não estão reclamando na imprensa, chegamos à conclusão de que as empresas importadoras são multinacionais que estão usando parte dos produtos importados como componentes de produtos que estão sendo montados no Brasil, ou mesmo substituindo a produção doméstica por importações do produto final. Se estas importações continuarem crescendo como está acontecendo, a indústria nacional do ramo de eletroeletrônico será uma "maquiladora" de partes e peças produzidas na China e em outros países asiáticos. Os consumidores já constataram este fato, pois os preços dos eletroeletrônicos estão caindo constantemente nestes dois últimos anos. Outros itens que chamam atenção são as importações de calçados, que aumentaram 15,8 vezes; as de pneus, que aumentaram 10,1 vezes; a de componentes para motos e ciclos, que aumentaram 6,9 vezes; e a de brinquedos, que aumentaram 6,8 vezes nos primeiros sete meses de 2005, em relação ao mesmo período de 2004. Com exceção da indústria eletroeletrônica e de comunicações, todas estas indústrias que estão aparecendo como importadoras são as que o Brasil tinha vantagem comparativa no passado. Éramos grandes exportadores para a América Latina, EUA e Europa. Depois começamos a ter que concorrer com os países asiáticos, e hoje foi adicionada a China, que está inclusive abastecendo o Brasil.

Indústria nacional de eletroeletrônicos será uma maquiladora de peças asiáticas se importação continuar a crescer

A China, que tem um custo de mão de obra baixíssimo e conseguiu atrair capital e tecnologia dos países asiáticos e do resto do mundo desenvolvido, continuará sendo uma grande importadora de commodity do Brasil e exportadora de bens de consumo, principalmente duráveis, ou componentes destes bens para serem montados no Brasil. Quanto às exportações brasileiras a situação é inversa. Na tabela podemos observar que, enquanto estas aumentaram 23% no total no período janeiro-julho de 2005 em relação a este mesmo período em 2004, as exportações para a China aumentaram apenas 4% nesta mesma base de comparação. As nossas exportações para a China são basicamente de commodities, ou mercadorias que têm um componente muito grande deste item embutido no produto final, como o óleo de soja, suco de laranja, aço etc. As exportações de manufaturados são basicamente de pequenos motores e máquinas agrícolas, que representaram em média apenas 5,5% no total geral das nossas exportações para a China nos primeiros sete meses de 2004 e 2005. As exportações que mais cresceram foram de minérios e aço (48%) devido ao aumento dos seus preços médios entre os dois períodos em análise de 2005 e 2004. O saldo comercial que hoje temos com a China depende basicamente do comportamento da demanda chinesa por commodities. Caso o crescimento deste país diminua, o que levará a uma queda do preço das commodities, as nossas exportações sofrerão uma queda pronunciada. Aliás, foi isto o que já ocorreu com as exportações das commodities agrícolas, devido à queda dos seus preços e ao aumento da produção mundial destes produtos. Este quadro de fornecedor de matéria-prima e importador de produtos manufaturados é preocupante quando sabemos que 60% das exportações brasileiras para o mundo são de commodities ou produtos que têm nas commodities o determinante dos seus preços. Quando observamos o avanço da China com um padrão de comércio com o Brasil igual ao que tínhamos na década de 50 com os países desenvolvidos, ficamos preocupados com os rumos da nossa industrialização. Estaremos fadados a ficar na periferia?