Título: A pressão que vem do petróleo
Autor: Maria Clara R.M.
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2005, Opinião, p. A15

Nem todo mundo tem se dado conta da gravidade das implicações para a economia mundial dos altos níveis do preço do petróleo. Ontem mesmo, depois de quatro dias de aparente estabilidade, a cotação internacional voltou a subir, com o barril atingindo US$ 65,05 para entrega em outubro, na bolsa de Nova York, no rastro do anúncio da agência Energy Information Administration (EIA), do governo dos Estados Unidos, de que a queda nos estoques americanos foi maior do que era esperado. Uma alta de 3,1% sobre a cotação anterior, o que só ajuda a amplificar as preocupações com as perspectivas sombrias dos altos preços do petróleo para a atividade econômica. Os efeitos psicológicos começam a aparecer, com o medo que já afeta alguns consumidores na Europa, preocupados em ficar sem óleo ou gasolina. As filas nos postos de gasolina são grandes e os protestos ganham as ruas contra a imposição de taxação sobre o preço do produto. Será que o mundo caminha para uma reprise do que se viveu com a crise de petróleo dos anos 70? Esta é hoje a grande questão no ar, tendo em vista a resistência dos preços em recuarem aos níveis mais palatáveis do início do ano, em torno de US$ 45 o barril. Chegaram à marca dos US$ 70 o barril nos dias que se seguiram ao estrago causado pelo furacão Katrina, é verdade, mas para muitos analistas não deve haver grandes esperanças de que baixem substancialmente para aquém do patamar em torno de US$ 63 a US$ 65 no curto prazo. Ontem, o presidente do Banco Central Europeu (ECB), Jean-Claude Trichet, chamou atenção para o fato de que preços do petróleo tendem a se manter elevados por muitos meses e que o furacão Katrina não deve ser responsabilizado por isso. Diferentemente do que aconteceu nas crises de 1974 e de 1980, Trichet adverte que a atual situação é causada não por um problema de oferta, mas sim por um problema que chamou de "rápida expansão da demanda". Ou seja, o crescimento da economia mundial tem ocorrido em uma velocidade maior do que o ritmo de ampliação da capacidade de produção pelas refinarias. É claro que, nesse quadro, um furacão do tipo que assolou a costa do Golfo do México, uma área onde se concentram várias refinarias de petróleo, contribui para piorar o problema. Só ontem o Departamento de Energia dos Estados Unidos realizou leilões de venda de 11 milhões de barris de petróleo, com o objetivo de compensar os cortes das refinarias atingidas pelo Katrina. Não é pouca coisa: o volume representa um dia de importação de petróleo dos Estados Unidos. A perspectiva de que os estoques estão abaixo das estimativas iniciais deu fôlego ao mercado para puxar o preço para cima e manter a commodity pressionada. Alguns analistas internacionais já fazem prognósticos sobre os impactos que haveria mundo afora com o petróleo a US$ 100 o barril.

Alta continuada do petróleo aumentará a inflação e, no caso dos Estados Unidos e da Europa, levará os BCs a um aperto maior na política monetária

Exageros a parte, fato é que todos têm em mente o raciocínio de que alta continuada nos preços do petróleo implica em aumento da taxa de inflação - o que, no caso dos Estados Unidos e da Europa, tenderia a influenciar os bancos centrais no sentido de um aperto mais prolongado da política monetária. Quando Trichet diz que a alta dos preços do petróleo decorre da pressão da demanda está, indiretamente, sinalizando sua preocupação com o efeito que isso pode ter sobre a inflação. A equação que junta projeções da atividade econômica mundial com projeções para o preço do petróleo, na busca de tentar descobrir o efeito disso sobre a inflação e, daí, o nível da taxa de juros capaz de reverter aquela relação de causa e efeito, tem sido nas últimas semanas o exercício preferido dos principais analistas e consultores internacionais. A própria Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) tem alertado, sem muito alarde, para a deficiência das refinarias mundo afora em termos de capacidade de atender à demanda crescente. Não é novidade para ninguém que a maior pressão vem da China, que continua crescendo a taxas próximas de 9% ao ano, segundo as estimativas mais recentes para este ano. Para os Estados Unidos, a estimativa foi revisada de 3,4% para 3,5%, tendo em vista o comportamento do consumo que se mantém em ritmo acelerado. A novidade é que a recuperação, embora gradual, da economia japonesa, acrescenta um elemento a mais de pressão pela demanda de petróleo, justo em um país cuja economia depende totalmente das importações daquela commodity. A própria Opep está estimando uma taxa de expansão de 1,6% para o Japão este ano e de 1,8% no ano que vem, bem acima das previsões de crescimento para a Europa, onde a zona do euro não deve passar de reles 1% de expansão este ano. A questão é que, embora crescendo menos do que o resto do mundo, a Europa acaba pagando boa parte do pato porque é demandante líquida de petróleo e arca com todos os custos do aumento de preço gerado pelo aumento da atividade econômica em outras partes do mundo. Como no resto do mundo, o aumento do preço do petróleo vai afetar a economia brasileira direta ou indiretamente. Ou afeta via preço, na bomba do posto de gasolina, ou pela via da pressão sobre os gastos públicos, se a saída do governo for a de criar subsídios para compensar, via transferência de recursos fiscais, o aumento ou parte do aumento de preço para o consumidor. Esta seria a pior alternativa. Já se viu esse filme no passado e é fartamente conhecido o trabalho que deu desmontar a bomba da chamada "conta-petróleo". A complexidade do problema e suas implicações vão levar a que todos fiquem de olho nas discussões e eventuais desdobramentos da 137ª Reunião da Opep que se realizará na semana que vem, entre os dias 19 e 20 de setembro, em Viena, na Áustria. A causa da escalada dos preços do petróleo hoje pode não ser a mesma das crises anteriores, mas com certeza o frisson é o mesmo. Bons tempos aqueles do final da década passada, quando o preço do barril chegou a cair para o nível dos US$ 10.