Título: "Rejeição ao PT não é saudosismo do PSDB"
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2004, Política, p. A-4

Das negociações entre PDT e PPS, partidos médios que mais cresceram nas eleições municipais, pode resultar a formação de um bloco independente no Congresso. Dele, viria a fusão das duas legendas e daí uma candidatura única à Presidência da República em 2006. A união dos partidos teria como objetivo conquistar o terço do eleitorado que, em 2002, ficou com Ciro Gomes e Anthony Garotinho e romper a pretendida polarização entre PT e PSDB. Na definição do senador Jefferson Peres (PDT-AM), esse eleitorado é o que, em 2006, não estará satisfeita com o petismo, mas também não é saudosista do PSDB. Um dos mais intrépidos senadores da República, conhecido por ter mantido no governo Lula a mesma independência demonstrada durante o governo Fernando Henrique Cardoso, é visto como um dos presidenciáveis desta terceira via. Peres vai estar amanhã no Rio no encontro em que o PDT traça seus rumos. "O PDT é um partido que tem história, tem doutrina, mas tem um programa ultrapassado, que precisa ser atualizado", afirmou Jefferson Péres em entrevista ao Valor em sua residência, no bairro de Adrianópolis, em Manaus, logo depois da vitória do seu candidato à prefeitura da capital amazonense, Serafim Corrêa (PSB), que impôs uma derrota histórica ao ex-governador Amazonino Mendes (PFL), no poder há 21 anos no Estado. Na opinião do senador, a vitória de candidatos de oposição em cidades como Manaus, Salvador e Campos de Goytacases aponta para uma nova tendência no Brasil: o fim do coronelismo urbano. A seguir, a íntegra da entrevista: Valor: Quando se discutiu a possibilidade de o sr. ser candidato a presidente? Jefferson Péres: Eu nunca discuti isso. Eu noto uma convergência do partido em relação a mim como presidente, mas do partido, não da República. Já recebi pedidos de várias direções estaduais nesse sentido. Estou indo para o Rio no dia 5 agora para uma reunião da diretiva nacional. Vamos fazer uma análise e um balanço das eleições começar a traçar rumos, inclusive marcar um grande encontro nacional do partido para saber para onde vai o PDT. É um partido que tem história mas tem um programa em grande parte ultrapassado, que precisa ser atualizado. E precisa de uma liderança. Um partido que tem história como o PDT, tem doutrina, tem identidade, é um partido que pode emergir como uma força séria na política brasileira. Mas nunca aventei para ninguém ser candidato a presidente da República. Valor: Mas é uma possibilidade? Péres: Acho que sim. É um desafio que eu teria que encarar se me for colocado, mas sem aventureirismo nem quixotismo. Se eu vir que é desejo do partido que eu seja candidato, mas sentir alguma aceitação popular capaz de gerar um movimento eleitoralmente expressivo, eu posso até aceitar. Mas não vou me lançar irresponsavelmente como candidato a qualquer preço. Eu viajo muito ao Rio e São Paulo, recebo muitos e-mails, alguns até me param na rua e dizem "por que o sr. não se candidata a presidente?". Mas não sou um Dom Quixote. Valor: Qual o cenário em que se encaixa uma eventual candidatura sua à Presidência da República? Péres: Acho que com estas eleições, está surgindo um cenário político novo em todo o país. Valor: Qual é a novidade? Péres: Há uma tendência emergindo dessas eleições municipais que é a morte do coronelismo urbano, do binômio coronelismo-caciquismo. Emergem dois partidos mais modernos. Quaisquer que sejam os defeitos, PT e PSDB não sofrem desses dois males (coronelismo-caciquismo). Vamos ver se há espaço para uma terceira força. A bipolarização PT-PSDB talvez não satisfaça uma parte da sociedade que, acho, que não está contente com o petismo mas não é saudosista do tucanato. Acho que é por aí, que uma terceira força, englobando PDT, quem sabe PPS, possa caminhar. Valor: Nesses cálculos, o sr. está considerando eleitores órfãos do Ciro Gomes e do Garotinho? Péres: Não vejo (nestes nomes) uma terceira via séria ao dualismo tucanato-petismo. É preciso surgir, talvez surja ou não, essa terceira via. O PDT está tendo um desempenho bom nas eleições municipais, está fazendo o prefeito em várias capitais como Salvador, São Luís e Maceió. O PPS e o PSB também. Quem sabe uma aliança entre esses partidos para o que eu chamaria de Movimento Republicano. Valor: Porque um Movimento Republicano? Péres: A República foi proclamada no Brasil e nunca instaurada. O Brasil não é uma República no sentido da coisa pública respeitada, que as pessoas se sintam como cidadãs, um país em que sejam tratadas com justiça e igualdade, não apenas social. Esse ainda é um país do "sabe com quem está falando?", é um país onde o poder é muito utilizado em favor de pessoas e partidos, e o próprio PT não fugiu a isso. É uma relação entre os poderes muito desigual, clientelística, com o parlamento muito submisso ao Poder Executivo. Valor: Isso não mudou nada na sua opinião? Péres: Isso se acentuou nos últimos anos, com o abuso de medidas provisórias e fisiologismo na cooptação de votos. Isso não mudou, continuou com o PSDB e não mudou em nada com o PT, o tratamento do Legislativo como subpoder. E agora eu vejo uma perigosa emergência do Supremo Tribunal, o Poder Judiciário, quase como um aliado do Poder Executivo. Valor: O que pode acontecer nessa relação Judiciário-Executivo? Péres: É a violação do princípio sagrado da independência real dos poderes. Acho que República é isso, resgatar o princípio do filósofo Montesquieu de efetiva independência entre os poderes, igualdade perante a lei, respeito estrito pela coisa pública em termos de ética. Acho que República é isso e o Brasil não é uma República. Valor: Há tempo hábil para se apresentar uma alternativa para 2006? Péres: Eu reconheço que as condições são difíceis em um país em que 40 milhões de pessoas vivem na pobreza e 20 milhões vivem na indigência. O nível cultural é muito baixo torna essas pessoas quase súditas, não cidadãos. Por outro lado você tem uma classe média ainda muito forte, apesar de enfraquecida pela perda do poder aquisitivo, que empobreceu mas está crescendo. Como participação na estrutura social do país, está crescendo, na cidade e no campo. Esse é um campo fértil para a prevalência de um movimento republicano, de resgate da ética na política e na administração pública. Mas vamos ver. No Brasil qualquer previsão acima de 30 dias é perigosa.