Título: Polêmica no Paraguai cria desconforto no Mercosul
Autor: Paulo Braga, Sergio Leo e Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2005, Brasil, p. A4

Relações Externas Vice paraguaio defende acordo bilateral com EUA

Poucas semanas após a assinatura de um polêmico acordo militar do Paraguai com o governo americano, declarações feitas à imprensa argentina pelo vice-presidente paraguaio, Luis Castiglioni, em favor de um acordo comercial bilateral com os EUA, causaram perplexidade e preocupação nos governos do Brasil e Argentina. Embora não tenham sido confirmadas pelo presidente paraguaio Nicanor Duarte Frutos, e sejam minimizadas por autoridades daquele país, do Brasil e da Argentina, as declarações de Castiglioni demonstraram aos maiores países do Cone Sul que a tradicional insatisfação paraguaia com os resultados comerciais do Mercosul podem provocar novos constrangimentos, a poucos meses da reunião de cúpula do bloco. Preocupadas, autoridades argentinas e brasileiras têm trocado informalmente impressões sobre o acordo militar do Paraguai com os EUA. O acordo prevê realização de manobras de tropas americanas em território paraguaio e levantou rumores - rejeitados pelos dois governos - de que seria o primeiro passo para o estabelecimento de uma base militar americana próxima à fronteira com o Brasil. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em entrevista a um jornal argentino, pediu "transparência" e clareza de objetivos nas tratativas entre EUA e Paraguai - referência velada a notícias de que o acordo militar conteria cláusulas secretas, com implicações geopolíticas profundas para a região. Amorim disse, ontem, que a entrevista foi distorcida, e que ele afirmou que o "Paraguai é soberano, mas não achamos necessário que haja uma base dos EUA". Na entrevista, publicada no início da semana, Amorim reagiu a declarações anteriores feitas ao jornal argentino "Clarín" por Castiglioni, para quem o governo paraguaio teria "o direito e a liberdade de buscar alternativas" para que o povo daquele país "possa viver melhor através do comércio com outras regiões". Amorim disse que, apesar de ser um país soberano, o Paraguai teria obrigações com o Mercosul. Sinal do esgarçamento nas relações entre os sócios, a resposta ao chanceler brasileiro veio ontem, também pela imprensa. "No Paraguai, temos muito poucos problemas de transparência na gestão pública e praticamos com muita clareza as relações com os países do mundo", disse Duarte Frutos a jornalistas locais. "O que buscamos é benefício para o povo paraguaio; como no mundo globalizado podemos conseguir mercados para nossa carne, não somente no Mercosul", disse, ignorando que barreiras sanitárias fecham frequentemente o mercado de países ricos à carne do Paraguai. " As insinuações paraguaias ferem os compromissos do país no Mercosul, que obriga os países-sócios a negociar em conjunto qualquer tipo de acordo comercial. Duarte Frutos lembrou a reivindicação de tratamento diferenciado para os países menores do Mercosul, especialmente o Paraguai As declarações das autoridades paraguaias surpreenderam os sócios, porque, como afirmou ontem o ministro de Relações Exteriores da Argentina, Rafael Bielsa, ao "Clarín", nunca foram repetidas em contatos oficiais. "Tenho contatos freqüentes com a chanceler do Paraguai e com o presidente Duarte Frutos. Seria a primeira vez que se expressa algo desta natureza", disse. Amorim, disse que se sentiria "marido enganado" se o Paraguai anunciasse a saída do Mercosul, e disse que até ontem não houve comunicação de medidas "drásticas" do país em relação ao grupo. Mas o ministro reconhece que há tensões dentro do Mercosul e que o "Brasil e o bloco têm que fazer mais pelo Paraguai", em termos de investimentos e infra-estrutura. "O presidente Lula é o primeiro a reconhecer que há um mal-estar no bloco." Há forte ceticismo, no Brasil e na Argentina, sobre a existência de interesse dos EUA em negociar com o Paraguai (no auge das discussões para a Alca, o governo americano rejeitou pedido semelhante, feito pelo Uruguai). Mesmo em Assunção, há interpretações de que as declarações de Duarte Frutos seriam apenas uma uma maneira de atender à insatisfação das elites locais e evitar um desmentido claro ao vice-presidente.