Título: STF derruba ampliação do foro privilegiado
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2005, Política, p. A11
Crise Lei sancionada por FHC uma semana antes de deixar a Presidência beneficiava autoridades que deixaram o cargo
O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, ontem, a Lei que estabeleceu o foro privilegiado para autoridades que deixaram o cargo. A Lei nº 10.628 foi sancionada por Fernando Henrique Cardoso, em 24 de dezembro de 2002, uma semana antes de ele deixar a Presidência da República. O objetivo era proteger o presidente, ministros de Estado, parlamentares, governadores e prefeitos contra eventuais abusos em ações movidas por procuradores do Ministério Público. Com a Lei, o presidente, ministros, deputados e senadores passaram a ser processados junto ao STF mesmo após deixarem os seus cargos. Os ex-governadores ganharam foro no Superior Tribunal de Justiça e os ex-prefeitos nos Tribunais de Justiça de seus respectivos estados. Agora, eles só terão o foro privilegiado durante o exercício do cargo. E o STF estabeleceu uma exceção importante a essa regra: quando as autoridades forem processadas por improbidade administrativa terão de responder a essa acusação na Justiça comum. Já as ações penais contra autoridades continuam com foro privilegiado. Ou seja, pela decisão do STF, o ex-prefeito Paulo Maluf terá de responder a ações na Justiça comum, e não no Tribunal de Justiça de São Paulo, como ocorre hoje. Já no caso do mensalão, a situação dos envolvidos dependerá do teor de cada acusação. Se um parlamentar estiver sendo acusado de improbidade, não terá mais a prerrogativa de foro e seu processo será remetido à Justiça comum. Mas, se responder à ação penal decorrente do mensalão, terá foro privilegiado. Ao renunciar ao mandato, o parlamentar perde a prerrogativa de foro em qualquer hipótese e irá para a Justiça comum. O Ministério Público e os advogados dos parlamentares envolvidos no escândalo do mensalão terão de verificar caso a caso para saber se os processos irão correr no STF ou na primeira instância da Justiça. A decisão do STF foi tomada por sete votos a três no julgamento de duas ações propostas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e pela Associação Nacional dos Magistrados (AMB) contra a Lei nº 10.628. A Conamp alegou que o foro privilegiado estimula a impunidade ao concentrar a iniciativa de propor as ações nas mãos de integrantes da cúpula do MP. Outro problema, segundo a associação, seria a concentração das decisões na cúpula do Poder Judiciário. O relator das ações, ministro Sepúlveda Pertence, criticou a extensão do foro para os ex-governantes e parlamentares. Ele lembrou que o STF havia derrubado o foro em 1999 e o Congresso resolveu instaurar novamente o privilégio três anos depois. "Houve aí um abuso do Poder Legislativo porque tentou, por lei ordinária, forçar a alteração da jurisprudência do Supremo", disse Pertence. A decisão do STF, segundo ele, irá provocar uma importante discussão: se os juízes de primeira instância poderão ou não impor penas às autoridades, como a perda do cargo, nas ações de improbidade. Pertence explicou que essas penas estão subordinadas ao Senado. É o caso do impeachment do presidente e da perda do cargo de ministro de estado e do STF, todos julgados pelo Senado. Além de Pertence, votaram contra o foro os ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Carlos Velloso e Celso de Mello. Já Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Eros Grau foram favoráveis ao foro. "O foro impede a banalização das ações penais contra autoridades", alegou Grau. "Presume-se que tribunais de maior categoria tenham maior isenção para julgar autoridades", concluiu o ministro que ficou vencido.