Título: Atônito e desinformado, petista vai às urnas
Autor: César Felício e Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2005, Política, p. A12

Crise Filiados ao PT votam neste domingo nas eleições internas sem nunca terem contribuído com o partido

"Rei do câmbio automático", como pede para ser chamado, Vasco Pires de Freitas, 69 anos, morador da Vila Matilde, bairro de classe média da zona leste de São Paulo, está indignado, mas diz que não sai do PT - "Não há hipótese de eu sair. Não adianta, sou doente crônico". Comerciante de autopeças, Freitas descobriu no partido e no espiritismo uma identidade para si. Em nome da religião, visita todas as semanas uma comunidade de 40 famílias faveladas na Vila Nhocuné, um bairro vizinho. Nas eleições, percorre os barracos para cabalar votos para o partido. Freitas decidiu marcar seu protesto contra o Campo Majoritário: "Vou votar em Tarso Genro", disse, referindo-se ao atual presidente do partido, que não é candidato. Ao ser informado que Genro não está na disputa, ficou atônito. "Então vou votar no Raul Pont, que é gaúcho e radical", disse. Indignado com a cúpula da sigla, preserva o presidente Luiz Inácio Lula da Silva das críticas. Assim como todos os demais militantes petistas ouvidos pelo Valor, Freitas não paga as contribuições mensais do partido. Ainda assim, nunca deixam de votar, o que sugere que suas contribuições sejam quitadas por terceiros. Para diminuir o abuso de poder econômico nas eleições de domingo, o PT divulgou na noite da quinta-feira a anistia às contribuições de 2003 e 2004. A desinformação não é um problema para os que se filiaram nos últimos anos e ainda estão fortemente vinculados a lideranças. Corretor de seguros e morador em Guaianases, bairro pobre da Zona Leste, José Augusto dos Santos, 44 anos, filiou-se no PT só para poder votar no próximo domingo. É ligado ao deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, que vota em Valter Pomar, da Articulação de Esquerda, na eleição interna. Santos vota no candidato de seu líder. Mas deixa transparecer a desorientação. "O militante está triste. Sempre defendeu a ética e a moral. Umas dez pessoas nos apunhalaram, fizeram tudo em troca de um plano de governo. Precisamos sempre de lideranças que digam que isso não é normal. A ideologia do PT não é só governo", disse. Como outros militantes da base petista, coloca a imagem de Lula em um plano superior. "Confio no presidente, sei da dignidade , da honestidade dele. Não é porque ele é presidente que tem que saber tudo. Isso foi coisa do Dirceu, do Delúbio. Lula nunca ia pensar nisso", afirma. "O Lula tinha que ter sido um pouco mais enérgico, mas é muito difícil pegar uma casa desarrumada. Acho que ele precisa de mais um mandato", disse a agente comunitária de saúde Marina Nunes de Souza, 47 anos, moradora em Vargem Grande, bairro da parte mais pobre da Zona Sul de São Paulo. Marina foi trazida para o PT há dois anos, pelas mãos da família Tatto, que controla o partido em uma vasta região da periferia paulistana. Vai votar em domingo "no candidato a presidente do Jilmar Tatto", conforme afirmou. O candidato de Tatto é Valter Pomar, de quem Marina nunca ouviu falar. Os militantes mais antigos do PT preservam as ligações antigas. O pintor de paredes em Guaianases Vanderlei Felício, 42 anos, entrou na sigla em 1989. Seu elo foram as Comunidades Eclesiais de Base (CEB) da Igreja Católica. Vai votar domingo no candidato com maior identificação religiosa, o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio. Aturdido, Felício quer acreditar que 90% da crise é culpa das forças direitistas. "Ainda acredito no PT, muita coisa não foi comprovada e a mídia nem sabe se uma coisa é verdade e já coloca isso na manchete. Culpa sem saber", disse Felício, que diz não assistir televisão. "Me informo pelas conversas com companheiros. Acho que na TV eles querem é derrubar o governo, o presidente. Quem acredita no PT vai lá nas urnas no domingo e vai tentar mudar isso", conclui. "A direita está fazendo tempestade em copo d'água", acredita um filiado recente, o técnico em edificações João Batista Lamari Palma e Silva, 24 anos, morador de Serra Negra, na região de Campinas (SP), onde o PT é fraco: seu candidato a prefeito nas últimas eleições municipais ficou em quarto lugar e o partido não elegeu nenhum vereador. Na visão de João Batista, o caixa 2 está comprovado, "mas isto não existe só no PT ". Apesar de ligado a apoiadores de Valter Pomar, João Batista diz estar em dúvida entre o dirigente e o candidato do Campo Majoritário, Ricardo Berzoini. Desilusão completa é um sentimento difícil de achar entre os militantes. "Quero ser PT até o fim, mas se este pessoal errado ficar, eu vou cair fora", disse o pedreiro Genaro São Félix, 55 anos, morador em Vila Matilde. Genaro filiou-se ao PT em 1990, entusiasmado com a gestão de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo e com a campanha presidencial de Lula em 1989. "Quando Lula fundou o partido, eu também era metalúrgico, aqui em São Paulo. Mas ele pisou na bola, manteve a sujeira que veio do Fernando Henrique e do Collor", disse. A "sujeira", segundo Genaro, agravou outros episódios que decepcionaram o pedreiro. "O salário mínimo e os juros altos, estão deixando a desejar", afirmou. Félix disse que não se interessou em saber quem são os candidatos na eleição de domingo.