Título: O conservadorismo mora bem ao lado
Autor: Wanderley Guilherme dos Santos
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2004, Política, p. A-6

Com mais de cinco mil prefeitos espalhados pelo país não há análise ideológica nacional que fique de pé. Pelos números agregados sabe-se que o PMDB e o PFL, dos partidos tradicionalmente nucleares, vêm sofrendo redução no número de cidades administradas. Pode ser que a ansiada decadência das oligarquias responda pela queda nas votações, mas não é impossível que ambos estivessem inflacionados, antes, como transitórios depósitos dos oposicionistas no PMDB e dos conservadores no PFL. Neste caso, além da decadência oligárquica, a queda também indicaria diferenciação dos partidos, cada qual chegando ao pedaço que lhe cabe no latifúndio de cem milhões de eleitores. Os resultados para as prefeituras, sobretudo as de médio e pequeno porte, não são boas pistas da inclinação ideológica do eleitorado local. Coligações, conjunturas favoráveis, e um sem número de circunstâncias de difícil repetição, talvez expliquem mais certos resultados do que reviravoltas ideológicas. Veja a eleição em Porto Alegre. Com habilidade, e contando com o desgaste de um partido há longo tempo no poder, a oposição estabeleceu um cerco de alianças anti-governista que dificilmente virá a se reproduzir em próximas eleições. Por esse ângulo, a conquista de 46% dos votos do eleitorado porto-alegrense por parte de um candidato mais à esquerda do centro do PT, sem o apoio de outra agremiação importante, não espelha de nenhum modo um fracasso eleitoral. O mesmo fenômeno ocorreu em São Paulo onde o PT, além de outros equívocos, concorreu com chapa puro sangue, perdendo por uma diferença de cerca de 600 mil votos em um colégio que, descontados nulos, brancos e abstenção, chegou aos 6 milhões de eleitores. Em ambas as capitais o Partido dos Trabalhadores mostrou ter o maior apoio entre todos os partidos considerados isoladamente. As alianças é que foram elas. Os prefeitos eleitos José Fogaça e José Serra estão condenados a realizar excelentes administrações porque a comparação com os governos municipais anteriores será inevitável. O mesmo raciocínio vale para o PT, considerando a vitória em Fortaleza como um equivalente, pelo avesso, do resultado de Porto Alegre. Depois de um longo período de predominância tucana, as boas avaliações dos governos locais anteriores não impediram que a população de Fortaleza desse uma fácil vitória a Luizianne Lins. Convenhamos, Fortaleza não chega a ser uma fortaleza de sublevados.

Análise ideológica ainda carece de dados

Nos colégios de cidades de médias e pequenas, onde a rubrica "outros" partidos começa a aparecer, as legendas que, nacionalmente, são também médias e pequenas, perdem muito de seu significado ideológico e a filiação dos candidatos majoritários se deve mais a circunstâncias do que a convicção programática. Em excelente cobertura para o Valor de 1 e 2 de novembro, César Felício distribuiu as cidades brasileiras por cinco classes de tamanho e respectivas localizações estaduais, recuperando, para comparação temporal, o desempenho dos partidos nessas cidades nas eleições de 2000. É pouco crível que o crescimento do PDT, de 173 prefeituras, em 2000, para 192, agora, em cidades com menos de 10.000 eleitores, tenha ocorrido como retardatária conversão ao credo do ex-governador Leonel Brizola. Ou que o salto em praticamente 100% do PPS, nas mesmas cidades, e de pouco mais de 100% nas cidades com eleitorado entre 10 e 50 mil alistados, signifique inédita onda rósea a seduzir as raízes da nacionalidade (31% das 168 prefeituras conquistadas pelo PPS, nas cidades com menos de 10 mil eleitores, foram no Amazonas, Piauí e Mato Grosso). Provavelmente, meticuloso estudo dos resultados das eleições para vereadores trará informações mais sólidas sobre as manchas ideológicas da geografia eleitoral brasileira. Indícios comprovando a decadência de tradicionais caciques não provam o desaparecimento do conservadorismo, tendência certa em qualquer sociedade. Em primeira leitura, a acentuada dispersão dos votos está conseguindo mascarar os locais de residência do conservadorismo, o qual, definitivamente, não está confinado a guetos nordestinos ou nortistas. Com a acelerada inclusão eleitoral das últimas décadas, associada à urbanização, o eleitorado brasileiro ideologicamente inclinado começa a se distribuir mais eqüitativamente pelas cinco macro regiões do país. Nada mal, mas interessa descobrir por onde andam, mascarados, o centro e o conservadorismo nacionais.