Título: Líder petista quer manter verticalização
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Fonte: Valor Econômico, 19/09/2005, Política, p. A6

Exercer a função de líder do PT na Câmara parece ser, com a crise atual, o cargo menos atraente da praça. No segundo mandato, o deputado Henrique Fontana (RS), médico e administrador de empresas, foi para o sacrifício. E já anuncia, poucas semanas após assumir a liderança, uma decisão partidária que vai na contramão do que vinha defendendo o Palácio do Planalto: o PT defenderá a manutenção da verticalização das alianças, ou seja, a obrigatoriedade para repetir, nos Estados e municípios, a coligação nacional. "O PT tomou a decisão de defender as suas próprias idéias na reforma política", sentenciou ele, em entrevista ao Valor. A postura, segundo ele, será um exemplo da "autonomia da bancada" em relação ao governo. Ao contrário do correligionário gaúcho Tarso Genro, Fontana garante que há, sim, "inúmeras razões" para votar no PT. Ao longo de 25 anos de erros e acertos, o PT foi a legenda fundamental para a consolidação da democracia. "O PT é o partido estratégico para aqueles que, como eu, acreditam nas idéias da esquerda", argumenta. O petista reconhece que uma parcela de dirigentes cometeu "ilegalidades e erros políticos graves", mas sustenta que o PT não pode ser "criminalizado como um todo". Fontana crê ainda que o governo Lula colocou em prática uma política desenvolvimentista que o distingue da administração de Fernando Henrique Cardoso. O trunfo do PT, diz, é a geração de empregos formais. "Em 48 meses, geramos cinco milhões de empregos formais. Qual é o resultado da administração de Alckmin, Serra e César Maia? Em média, geraram 480 mil empregos", informa prontamente, revelando que está em sintonia com o Planalto. Para ele, no entanto, a relação do PT com o governo exige extrema lucidez. "A defesa ufanista do próprio governo é um erro enorme que qualquer partido que faz parte deste governo possa cometer. Assim como, no outro extremo, o descolamento do governo também é um erro". O PT precisa, segundo Fontana, ser "a parte forte da esquerda neste governo de coalizão". Com base nesta lógica, o petista não consegue responder, então, qual será o leque de alianças possíveis para o PT numa reeleição de Lula em 2006. "O quadro ainda está muito confuso", justifica. Por ora, acrescenta, o importante é "soldar uma aliança estratégica entre partidos de esquerda". Fontana elegeu como seu principal desafio fazer a repactuação da bancada, meta que o antecessor, Paulo Rocha (PA), não conseguiu implementar. E a missão parece impossível. A partir de outubro, o PT pode perder na Câmara o posto de maior bancada para o PMDB. A crise envolvendo o presidente da Casa, Severino Cavalcanti, coloca o partido na berlinda. A esquerda petista quer lançar candidato próprio. A oposição veta nomes do PT. As principais lideranças do partido estão sendo julgadas pelo Conselho de Ética. O novo líder admite que a bancada, de fato, tem hoje só 69 deputados. O grupo da esquerda conta com cerca de 20 deputados, que podem, inclusive, deixar o PT. Apesar de não representar o campo majoritário do PT, Henrique Fontana, aos poucos, foi se aproximando do Planalto. Ele pertence à corrente "Esquerda Democrática", existente só no Rio Grande do Sul. E apoiou a candidatura de Valter Pomar na eleição à presidência do PT, realizada ontem. Nas primeiras decisões como líder, Fontana deslizou entre a autonomia do partido e a fidelidade cega ao governo. Após defender que o partido assinasse, com outras legendas, a representação ao Conselho de Ética pedindo abertura de processo de cassação de Severino, o líder petista recuou após a pressão do Planalto. Disse que foi se convencendo de que o PT não poderia aderir a um movimento ao lado das forças conservadoras que elegeram Severino. Ao ser questionado se a mudança repentina não estaria mais próxima ao sentimento de "coerência com o Palácio do Planalto", Fontana nega veementemente qualquer insinuação sobre subserviência do partido ao governo. Ao fim do episódio, Fontana entendeu que a função de líder não é simples, e assusta. Sobre a sucessão de Severino, o líder petista garante que o sentimento da maioria da bancada é de maturidade. "Não podemos repetir esse clima de tensionamento", diz. O líder assegura que não admitirá vetos a nenhum nome. Nem da esquerda? "Sobre o bloco independente eu não tenho como avaliar", explica-se. O esquerdista não radical não esconde o incômodo com alguns aspectos da política econômica. "É claro que há gargalos que precisamos resolver". O imbróglio estaria na combinação bombástica de altas taxas de juros com baixíssimo nível de investimentos públicos pelo governo. "Não estou confortável com isso", desabafa. Mesmo assim, mostra-se como um entusiasta do governo Lula e insiste em comparações com o PSDB. "Os tucanos foram ao FMI duas vezes", alfineta. Além da delicada missão de conduzir as conversas sobre a sucessão de Severino, Henrique Fontana garante que vai se empenhar para que a Câmara aprove a proposta de emenda constitucional permitindo que o prazo final para as alterações na lei eleitoral mude de 30 de setembro para 30 de dezembro. O PT, enfatiza, vai defender a fidelidade partidária por pelo menos dois anos, o financiamento público exclusivo de campanhas e a manutenção da cláusula de barreira, mesmo que ela caia para 2%. "O PT não pode ter arrogância nisso. Nossos aliados históricos de esquerda são pequenos", pondera. (MLD e RC)