Título: Esperança e dúvidas sobre o plano de recuperação da Varig
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2005, Opinião, p. A8

Primeira grande empresa a estrear a nova lei de Falências, a Varig representa um teste para o mecanismo de recuperação judicial, no qual estará também em jogo sua capacidade de sobrevivência. Ele é a derradeira chance para a companhia evitar o destino de Transbrasil e Vasp - o fim de sua carreira nos ares. A nova direção da empresa apresentou um plano de reestruturação que pode permitir a manutenção das operações e a volta à solvência, mesmo carregando sobre suas asas o peso de uma dívida de R$ 7,7 bilhões. É um processo difícil, cheio de riscos, no qual não há garantia de sucesso. Credores e analistas consideraram o plano de recuperação um paliativo, tímido demais para estancar perdas e redirecionar a companhia. Esse é um ponto a ser considerado, embora a intenção da nova direção da Varig seja dar um quadro de discussão geral e racional aos credores, que possa ser aperfeiçoado ao longo das negociações. Sua meta agora é livrar a companhia dos obstáculos que ameaçam de imediato suas operações. Embora ainda longe da completude e da perfeição - raramente existente nestes casos - ele é a melhor rota de salvamento entre as apresentadas até agora. A péssima situação financeira da Varig, agravada por anos a fio por uma gestão incompetente, é suficiente para nutrir todo tipo de descrença. O plano sugerido, entretanto, segue o padrão usual para reestruturações e tem chances de êxito. Ele imporá perdas expressivas para os credores no curto prazo, como costuma acontecer. Se fosse à falência, que se afigurava inevitável e ainda paira no horizonte, estes danos seriam certamente maiores. Os dirigentes da Varig contam com o maior benefícios da nova lei: o ingresso de investimentos e créditos a partir de agora têm prioridade na lista de obrigações e risco praticamente zero. O diagnóstico dos erros da companhia, ponto de partida para a reabilitação, é preciso. Como apontaram o UBS e a Lufthansa Consulting, há excesso de pessoal, nenhum planejamento estratégico, carência de rumos e frota com muitas famílias de aeronaves. Por isso, a Varig perdeu a capacidade de pagar suas dívidas com recursos operacionais. Tornou-se refém da instabilidade, onde as dívidas que se acumulam com operações de leasing, boa parte delas feitas para o curto prazo, ameaçam cortes abruptos na frota. Por outro lado, a Varig tem vários atributos que podem turbinar sua recuperação - marca forte, bons quadros especializados, padrões de segurança e confiabilidade reconhecidos e uma fatia de 77,6% dos vôos internacionais. O plano da Varig propõe a divisão da companhia em duas. Para a nova Varig iriam os credores que aceitassem trocar seus débitos por participação acionária. Para os que não desejarem fazer isso, resta a "velha" Varig, que quitaria seus débitos em 20 anos, com cinco anos de carência, a juros equivalentes à TJLP (abaixo de mercado) mais 1% ao ano. Essa seria a opção final para os credores sem garantias que, ao final de um escalonamento proposto de pagamento de 24 meses, sem juros ou correção monetária, ainda possuírem créditos junto à companhia. O número de credores seria enxugado em 24 meses. Os credores sem garantias, como algumas empresas de leasing, fornecedores de combustíveis, Infraero etc. - seriam pagos com parcelas mensais até o montante de R$ 100 milhões. A nova Varig seria comprada em leilão judicial, após aprovação do plano de recuperação pelo comitê de credores. Ao longo de todo o período, a Varig faria corte de custos em várias áreas, a começar pela de pessoal, que seria imediatamente enxugada em 13% - a empresa tem 12 mil funcionários. Ao contrário das rotineiras operações de salvamento no setor aéreo, a da Varig passará por uma saída de mercado. O governo não terá de entrar, como é praxe, com novos recursos, mas terá de aceitar a prorrogação das dívidas previdenciárias e tributárias (R$ 3,5 bilhões) por 15 anos. Embora longo, o prazo não difere do padrão criado para empresas inadimplentes com o Fisco, via Paes e Refis. O plano deixa vários pontos de interrogação sobre o futuro. Diante do ambiente de acirrada competição no mercado doméstico, a Varig está amarrada pela falta de novos recursos para investimentos. Uma vez criado um acordo mínimo sobre o passado entre os credores, a busca de novos investidores será uma questão de vida ou morte. Mas há chances de vida.