Título: Irregularidades ameaçam eleição
Autor: César Felício, Sérgio Bueno e Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2005, Especial, p. A10

Denúncias de irregularidades marcaram a eleição interna do PT. Após a votação, um dos candidatos a presidente, Plínio de Arruda Sampaio, da Ação Popular Socialista (APS) ameaçou "fazer um rebu" caso se confirmem as denúncias de transporte de filiados, pagamento de dívidas de eleitores e irregularidades em listas de votação. Há suspeitas nas eleições de diretórios de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Amapá . "Fazer um rebu" pode significar pedir a impugnação da votação nos locais em que se constatou estes fatos. Em São Paulo, o candidato à presidência do diretório estadual da APS, Ivan Valente, estava indignado: "Na Capela do Socorro (região sul) tive uma visão bastante clara do que é o carregamento de eleitores. No centro, lotaram ônibus com militantes do movimento de moradia. Isso faz parte de uma estratégia de alguns grupos, não só do Campo Majoritário." Casos como o de William Oliveira, que usou o carro para levar militantes para votar em uma das seções da Capela do Socorro, repetiram-se na região. "Busquei umas cinco pessoas em casa e estou indo vou buscar mais umas quinze, vinte", relatou. Estudante de direito e com voto declarado a Ricardo Berzoini, do Campo Majoritário, Oliveira disse que o pagamento das dívidas por dirigentes e candidatos na região é comum. "Nem todo mundo tem uma relação orgânica com o partido e tem gente que participa só na eleição. Se o eleitor não tiver dinheiro, forças internas da chapa se mobilizam para pagar". Ao parar sua kombi com militantes, Raimundo (sem revelar o sobrenome) alegou que "era para dar uma força". Já a líder comunitária, Lucia Rodrigues, que diz ter filiado 200 pessoas, orgulha-se de sua atuação: "Até agendei para passar na casa de algumas pessoas". Na cidade paulista de São Bernardo do Campo, a deputada estadual Ana do Carmo (SP) não poupou esforços para que filiados votassem. Filiada ao Campo Majoritário, colocou uma perua à disposição dos eleitores e admitiu ter pago a regularização cadastral de 48 militantes. "Temos que acabar com essa falsa moralidade. Por que a esquerda também não assume que está trazendo?". Outro flagrante de irregularidade foi feito pelo deputado federal Chico Alencar, no Rio de Janeiro, também da APS. Mais de dez kombis transportaram eleitores no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, com material de campanha de Berzoini e de Maria do Rosário, do Movimento PT, segundo Alencar e teriam recebido dinheiro para quitar a dívida. O deputado entrará com ação junto à direção nacional pedindo impugnação. Três candidatos das correntes de esquerda do PT no Amapá ingressaram na Justiça Estadual com um pedido de suspensão da eleição, alegando que militantes do Campo Majoritário tiveram quitadas suas dívidas com o partido. No Paraná, comitês de adversários do Campo Majoritário acusaram a tendência de fornecer ônibus e vans para o transporte de eleitores nas cidades de Foz do Iguaçu e Londrina. No Mato Grosso do Sul, as eleições do PT foram suspensas por medida judicial em Terenos (MS) e em Campo Grande, o candidato à presidência estadual Saulo Monteiro de Souza, do Campo Majoritário, disse que foram descobertos recibos falsos com nomes de filiados. Os dirigentes da legenda tentam minimizar as denúncias. O presidente da legenda, Tarso Genro, disse que as irregularidades "foram residuais". Coordenador do processo eleitoral, Francisco Campos alega que os casos denunciados "nem de longe atingem a lisura do processo" e "são menores do que os observados em 2001". Segundo o candidato da situação, Ricardo Berzoini, "irregularidades acontecem em todas as eleições do Brasil". Para Valter Pomar, da Articulação de Esquerda, os episódios "não são de magnitude a comprometer o resultado". Mas os problemas não se limitam ao transporte irregular. A filiação em massa fica evidente em eleitores. "Nem olhei em quem votei. Não lembro mais. Me filiei por causa do meu cunhado e nunca tive que pagar nada não", relata Maria Aparecida Dias Santos, assim que saiu da mesa de votação da Capela do Socorro, região paulista com maior número de filiados. Há três anos no PT, a dona-de-casa Maria diz que nunca ouviu falar nas contribuições anuais ao partido, de R$ 5, obrigatórias para poder votar. Com um santinho dos candidatos na mão, Edileuza Maria da Silva, 41 anos, saiu da seção sem lembrar em quem votou. Também desconhece a contribuição obrigatória. "Nunca paguei nada nem sabia. Mas se tiver que pagar eu acho errado ter que pagar. " Na mesma seção eleitoral, a filiada Josefa Miranda demonstra estranhamento sobre a cobrança: "Faz sete anos que estou filiada, mas nunca paguei nada". Morador da região, o cobrador de ônibus Armando Ferreira, com 37 anos, filiou-se na Vila Mariana, bairro distante a 1h30 da região, para ajudar um amigo dirigente do zonal. "Não participo ativamente, me filiei só para ajudar meu amigo, foi por influência, para somar voto". (Com agências noticiosas)