Título: Em dois bairros, as contradições que marcam o PT
Autor: César Felício, Sérgio Bueno e Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2005, Especial, p. A10

Com mais de 7,3 mil filiados, a Capela do Socorro é o maior reduto petista da cidade de São Paulo. O bairro de 500 mil habitantes, no extremo sul da capital, tem 221 favelas, taxa de analfabetismo 30% superior a média do município e rendimento mensal dos chefes de família de cinco salários mínimos. Com cerca de 250 petistas aptos a votar, o diretório do Jardim Paulista é o menor e o mais abastado da cidade. É composto pela classe média local, formada por professores, jornalistas e empresários. Votam ali intelectuais como Marilena Chauí, Maria Vitória Benevides, Antonio Cândido e o ministro da Educação, Fernando Haddad. A Capela e os Jardins sintetizam as contradições pelas quais o PT passou nos últimos anos. O primeiro é o território da família Tatto, cujos integrantes formaram a tropa de choque da administração Marta Suplicy (2001-2005). Foi lá que o prefeito José Serra (PSDB) e os militantes de sua campanha foram agredidos e onde Marta teve uma das maiores votações. O poder da família ampliou-se com a filiação em massa, concentrando na Capela 10% do total de petistas da cidade. Na contramão da filosofia implementada pelo PT nos últimos anos, o zonal do Jardim Paulista desfiliou mais de dois mil filiados distanciados do partido. Na Capela, cinco chapas concorreram ontem. No Jardim Paulista não houve candidatos ao diretório zonal. A nova Comissão Executiva Municipal terá que nomear uma Comissão Provisória para a região. Na Capela, a chapa da família Tatto enfrentará seus dissidentes numa eleição que disputou palmo a palmo até a localização das urnas. A família iniciou sua atuação política nos anos 70 nas Comunidades Eclesiais de Base e tem como líderes Arselino, vereador e ex-presidente da Câmara, Jilmar, que comandou três secretarias de Marta (Governo, Abastecimento e Transportes), o deputado estadual Ênio, além de dois outros membros na máquina partidária: Jair, secretário de organização, e Leonide, tesoureira municipal. Os irmãos Jair e Enio Tatto fiscalizaram de perto os cinco postos de votação da Capela do Socorro. Muito populares na região, eles distribuíram abraços e apertos de mão para grande parte dos eleitores. Com apoio declarado ao candidato Valter Pomar, da Articulação de Esquerda, a influência da família é evidente. "Eu conheço o Jilmar e ele falou que o Pomar era bom. Vou votar nele", diz Zilda Melo, dona-de-casa filiada pelos irmãos. Dentro de um pequeno bar em Parelheiros, onde foi montado um dos postos de votação, o petista Ebeneval do Nascimento Andrade, fez um relato semelhante: "Voto em quem eles disserem". O movimento na região foi intenso o dia todo e antes mesmo da início da votação às 9h, militantes formaram filas para votar. De 2001 até este ano, o número de filiados na Capela do Socorro dobrou. "A ordem é filiar e ponto final. Não posso garantir que são todos altamente politizados, mas eles entram em um processo de conscientização política após filiarem-se ao partido", afirma Glauco Piai, presidente do diretório. No Jardim Paulista, ao contrário, o que se viu ontem foi um deserto de petistas, a começar pela inexistência de candidato local. Sob garoa, apenas 63 petistas votaram (23% dos filiados) e deram vitória à esquerda: Plínio de Arruda Sampaio, que vota na seção, teve 21 votos e Raul Pont, da Democracia Socialista, 15. "O bairro é intelectual, com maior senso critico. Os petistas daqui não estão acostumados a trabalhar orgânicamente, não vieram dos movimentos de massas", analisa Eduardo Alves Pacheco, filiado no zonal e membro do PT há 18 anos no partido, sobre o baixo quórum. À mesa de votação, Helio Martins Figueiredo, um dos organizadores da eleição, conta que o distanciamento da militância, descontente com a atuação do diretório municipal, é sentido desde 2000. Com as eleições de 2002, alguns retomaram as atividades no partido, mas não durou muito. "Foi uma gestão muito ruim. Os militantes participavam das reuniões, eram mais ativos, mas as reivindicações que faziam nunca eram ouvidas pela direção municipal. Eles ficaram frustrados e se afastaram." O diretório rachou com o grupo da ex-prefeita Marta Suplicy (PT), como uma forma de protesto contra o pragmatismo eleitoral adotado nos últimos pleitos, segundo o presidente do diretório, Paulo Bueno. "De que adianta dizer que tem mais de 3.000 filiados se ninguém participa de nada? Não se faz a revolução com filiados, mas com massa crítica", diz Bueno. Pelas regras da disputa petista, a ausência de eleições no âmbito zonal não impede que as eleições sejam realizadas nas esferas municipal, estadual e federal.