Título: Quórum alto favorece Berzoini e Pomar
Autor: César Felício, Sérgio Bueno e Francisco Góes
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2005, Especial, p. A10

Crise Baixo comparecimento no Rio Grande do Sul reduz as chances de Raul Pont e Maria do Rosário

O comparecimento de filiados na eleição interna do PT ontem superou as expectativas dos dirigentes e deverá deixar o candidato da situação, Ricardo Berzoini, muito próximo de obter 50% dos votos. Mas o próprio o candidato admitiu ontem que a realização de um segundo turno é um cenário provável. O cenário da votação favorece, na hipótese de segundo turno, o candidato da Articulação de Esquerda, Valter Pomar. A maior expressão petista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, passou o dia em sua residência em São Bernardo do Campo, mas decidiu não votar. O quórum mínimo era de 125 mil votantes, ou 15% dos 827 mil habilitados, e as previsões, logo ao se encerrar a votação, oscilavam de 210 mil a 300 mil. Até o momento do fechamento desta edição, não havia sido divulgado o número final. É possível que haja um maior comparecimento proporcional do que na primeira eleição interna, há quatro anos, quando votaram 227 mil dos então 850 mil filiados. No Rio Grande do Sul, contudo, a presença de votantes deverá ficar em 20 mil cerca de 25% do total e nove mil votos abaixo do número registrado em 2001. Como o Estado é um dos redutos da oposição ao Campo Majoritário- sobretudo dos candidatos Raul Pont, da Democracia Socialista e Maria do Rosário, do Movimento PT- o baixo quórum gaúcho é um trunfo para o grupo de Berzoini. É a mesma porcentagem que se espera para São Paulo, maior colégio eleitoral do País. A diferença é que são 190 mil paulistas aptos a votar. No seu Estado de origem, Berzoini tem a sua posição ameaçada por Pomar, que recebeu apoio de dissidentes do grupo situacionista. Em terceiro lugar deve ficar Plínio de Arruda Sampaio, da Ação Popular Socialista. Caso se confirme esta previsão do diretório gaúcho, o Rio Grande do Sul, terceiro maior colégio eleitoral da sigla, com 77 mil filiados, terminará praticamente igualado por exemplo ao Rio de Janeiro, com 64 mil eleitores aptos. No Rio, o comparecimento foi alto e a previsão do diretório estadual era de 18 mil votantes, quase 30% do total. No Distrito Federal, onde Berzoini conta com grande estrutura, a estimativa é que compareceram 8 mil dos 18 mil filiados aptos, ou 40%. Em Santa Catarina, onde Valter Pomar é o nome mais forte dos candidatos da esquerda, o comparecimento estimado era de 30%. A incerteza sobre a vitória ou não do Campo Majoritário no primeiro turno não é a única dúvida no cenário petista. Os candidatos Valter Pomar (Articulação de Esquerda) e Raul Pont (Democracia Socialista) disputam com chances o segundo lugar. Mesmo prejudicado com o quórum baixo no Rio Grande do Sul, Pont têm a campanha mais capilarizada entre as oposicionistas, o que o coloca no páreo. As chances de Maria do Rosário (Movimento PT) e Plínio de Arruda Sampaio eram tidas como reduzidas. O candidato oficial terminou o dia se preparando para a hipótese de segundo turno. "O importante é construir a governabilidade petista, e para isso não se precisa de uma maioria numérica, mas uma maioria política, construída pelo diálogo", disse Berzoini. O resultado de um segundo turno entre Ricardo Berzoini e Valter Pomar, o candidato da Articulação de Esquerda, é imprevisível. Pomar receberia o apoio dos candidatos da ala radical do PT e já conta com o apoio de dissidentes do Campo Majoritário. Mas como o dirigente moderou bastante seu discurso, pode ficar sem o voto dos extremistas de esquerda, que tenderiam a não votar no segundo turno da eleição petista. Se precavendo contra esta possibilidade, Pomar ontem foi duro nas entrevistas contra Berzoini. "Qualquer um que passe para o segundo turno contra Berzoini terá meu apoio imediato e incondicional. Espero a recíproca", afirmou. Um eventual segundo turno entre Ricardo Berzoini e Raul Pont radicaliza as posições dentro do partido e seria um cenário mais favorável para o candidato da situação do que a polarização com Pomar. Pont também receberia o apoio de todos os candidatos oponentes a Berzoini, mas não todos os votos. Diante de um quadro, a ala dissidente do Campo Majoritário ligada a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy tende a apoiar Berzoini, em razão das restrições de Pont a uma política de alianças e da disposição do deputado estadual gaúcho em levar o PT a romper com a política econômica do governo. No primeiro turno, a ala martista se dividiu: parte orientou os militantes a votar em branco e parte a votar em Valter Pomar. "Se for Pont o candidato da oposição, o Berzoini já ganhou", disse o vereador paulistano José Américo, um dos integrantes do grupo martista, que votou em branco na eleição de ontem. O vereador estima que os martistas controlem o voto de 27 mil filiados, sendo 12 mil vinculados à família Tatto, um grupo com forte presença na zona Sul de São Paulo e o restante comandado por diversos dirigentes aliados da ex-prefeita. Isto significa 3, 5% do total de filiados com direito a voto. Como Berzoini deve terminar a eleição próximo da maioria absoluta e prevê-se um grande equilíbrio na disputa pelo segundo lugar entre Valter Pomar e Pont, o voto martista pode ser o fator decisivo da eleição. Mentor do Campo Majoritário e idealizador do processo de eleição direta entre os filiados, o deputado José Dirceu aproveitou a ocasião da votação de ontem para demonstrar que pretende continuar influindo dentro da sigla, embora reconheça que o Campo Majoritário terá que ceder muito espaço, mesmo que Berzoini se eleja. "O partido de tempo em tempo reconstitui sua maioria. É normal que não seja mais o mesmo de antes. Berzoini não é continuidade, porque não haverá mais o mesmo espectro", afirmou. Dirceu defendeu o Campo Majoritário e a candidatura de Lula à reeleição em 2006 e bateu duro em seus críticos petistas. "Ao contrário de muitos dos principais líderes da cúpula do PT, não fujo das minhas responsabilidades. Responsabilidade que todos têm, na Executiva Nacional e no Diretório, instâncias das quais não participo ativamente desde que começou o governo Lula", disse Dirceu. O ex-ministro da Casa Civil afirmou que tornou o PT mais democrático ao longo de seus dez anos de hegemonia, ao contrário do que afirmam todos os dirigentes que não pertencem ao Campo Majoritário. "Muita gente não me queria no comando do PT. Em 1995, ganhei com 18 votos. Não é verdade que tinha rolo compressor no PT", disse. O deputado, que se defende de um processo de cassação e já anunciou que não irá participar da direção do partido, embora faça parte da chapa de Berzoini, projetou cenários para 2006. "Sem reforma política, ou o PT consolida uma aliança com o PMDB, ou se aproxima do PSDB e faz um governo completamente diferente. O presidente Lula tem três vezes mais votos que o PT e o governo tem de ser de coalizão. Acredito que Lula tem chances reais de ir para o segundo turno e ganhar a eleição. Eu não estou desiludido e nem me sinto traído pelo governo", disse, fazendo uma referência velada a uma frase de Lula. Ao se pronunciar pela primeira vez sobre a onda de denúncias contra a sigla, Lula disse que se sentia traído por companheiros de partido. (Colaboraram Raymundo Costa, de Brasília, Ivana Moreira, de Belo Horizonte e Vanessa Jurgenfeld, de Florianópolis)