Título: Aposentados derrubam os juros
Autor: Mara Luquet
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2005, Finanças, p. C1

Crédito Consignado Com medo de perder clientes, grandes bancos entram no mercado

Os aposentados estão sacudindo a economia brasileira. Eles foram os primeiros a "levantar o traseiro da cadeira", como sugeriu o presidente Lula, para estimular a concorrência bancária. Fizeram tanto barulho que provocaram uma reunião de horas e muita discussão na Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e acirrou uma briga entre grandes e pequenas instituições. O saldo é: grandes bancos começam a entrar no mercado de crédito consignado para os aposentados com taxas muito competitivas. O Bradesco começou a operar crédito consignado em agosto. O Real iniciará a oferta de crédito nas próximas semanas. Além disso, os bancos alinhavaram uma operação para iniciar em outubro o recadastramento dos aposentados. Um negócio e tanto para os bancos, que vão receber pelo serviço uma taxa cada vez que um dos 23 milhões de aposentados se recadastrar, e para o próprio INSS, que conseguirá exorcizar fantasmas que historicamente inflam sua clientela. Dois foram os motivos que mantiveram os grandes bancos fora desse mercado: o risco da carteira e o medo de canibalização de seus próprios produtos. Isso é relevante quando se observa a brutal queda nas taxas dos empréstimos. Produtos como cheque especial custam mais de 10% ao mês. Já o crédito direto ao consumidor custa cerca de 7% ao mês. Comparado a esses produtos, o crédito consignado ao aposentado é uma pechincha: menos de 2% ao mês para operações de até seis meses e 4% para empréstimos de 48 meses. Por essa razão, os aposentados fizeram filas em bancos que antes eles nem sequer tinham ouvido o nome. Os bancos de menor porte, sem o poder de distribuição das redes de agências, encontraram então uma forma de ficar extremamente competitivos. Afinal, tinham o produto que o cliente queria e não encontrava no banco de seu relacionamento. As grandes instituições sentiram a concorrência nos calcanhares. "Os bancos menores foram muito agressivos", diz Décio Tenerello, vice-presidente do Bradesco. "Sem dúvida tivemos clientes que foram atendidos por esses bancos", acrescenta. Zeloso por seus 4,3 milhões de aposentados atendidos em suas agências, o Bradesco entrou com a força que é peculiar ao maior banco privado do País. Contratou um time de senhoras a partir de 50 anos de idade e jogou as taxas lá em baixo. Hoje é possível para os aposentados tomar empréstimos de até 1,75% de taxa ao mês nas agências do Bradesco, ao mesmo tempo em que batem papo com senhoras muito falantes e simpáticas, tomam café e comem biscoitos. Os aposentados adoram! Senhoras como Maria Beatriz Dias, Vera Lucia Caldeira e Edilene Alves Gobetti cuidam do atendimento ao aposentado. Há um mês elas mudaram suas rotinas. Acordam mais cedo, deixam o café da manhã pronto e partem às 6 horas. Deixam em casa, ainda dormindo, marido e filhos. Elas entraram para o mercado financeiro. Receberam treinamento, aprenderam o que é juro, como tomar crédito e, principalmente, como evitar os riscos do endividamento excessivo, e trabalham numa das agências dos Bradesco orientando aposentados. "Nosso trabalho é conversar e explicar o empréstimo, mostrar nossas taxas, os riscos, enfim dar toda a orientação que eles precisarem", diz Edilene. Enquanto os bancos menores vendiam fartamente esses empréstimos, os grandes bancos negociavam na Febraban detalhes operacionais. Eles não estavam confortáveis com a forma de pagamento do empréstimo. Pelo mecanismo, o valor da prestação só era pago cinco dias depois de o aposentado receber o benefício. Ou seja, há uma defasagem entre o momento em que o aposentado é descontado e o momento em que o banco recebe. "As divergências ainda não foram superadas, mas resolvemos entrar no mercado porque ainda há um universo enorme de pessoas que não foram atendidas", diz Tenerello. Osmar Roncolato Pinho, diretor da Febraban, diz que 41 bancos estão habilitados a operar crédito consignado para aposentados. Desse total a grande maioria ainda é de bancos de pequeno e médio porte. A reunião na Febraban, ele conta, foi para definir princípios de transparência e ética que deveriam ser adotados na venda do produto. O Itaú ainda não está convencido da importância desse novo negócio. O banco diz que não tem planos de vender crédito consignado para aposentados. O que deixa o Itaú apreensivo são os mesmos motivos que antes amedrontavam outros grandes bancos. "O crédito consignado pode ser entendido sob o ponto de vista de risco como uma mesma classe, que tem a mesma fonte de renda", explica um banqueiro. Ou seja, se algo acontece à fonte pagadora, toda a carteira tem problemas. Não se questiona se o INSS vai pagar ou não os aposentados, mas pode haver perguntas como: o INSS manterá o poder aquisitivo do grupo? Pode haver uma intervenção jurídica para salvar os aposentados endividados no futuro? Ainda está fresco na memória dos banqueiros os problemas judiciais que tiveram com os empréstimos com correção cambial depois de janeiro de 1999. Com o fim da âncora, o dólar deu um salto e o valor das prestações duplicou de um dia para outro. A classe média, que usou fartamente o produto para financiar seus automóveis novos, foi à Justiça pedir para mudar o indexador e foi atendida.