Título: Dólar barato ajuda contas públicas
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2005, Brasil, p. A3

Conjuntura Recuo da dívida cambial compensa ganho menor com taxa sobre importação

A queda do dólar tem produzido efeitos distintos sobre as contas públicas. De um lado, leva a uma perda da arrecadação de impostos vinculados à importação; de outro, ajuda a reduzir a parcela da dívida pública corrigida pelo câmbio. A boa notícia é que o impacto positivo sobre o endividamento do governo supera com folga a perda de receita. Nos 12 meses terminados em julho, o estoque da dívida cambial interna caiu R$ 23,4 bilhões, devido à queda de 21,8% registrada pelo dólar no período, enquanto o efeito sobre a arrecadação é bem mais modesto: de janeiro a julho, por exemplo, a queda de receita com o Imposto de Importação e o IPI vinculado às compras externas foi de R$ 346 milhões em relação ao mesmo período do ano passado, já descontada a inflação. A estratégia do Banco Central (BC) de não renovar mais os títulos cambiais é o principal fator que explica o recuo da parcela da dívida interna atrelada ao dólar nos últimos 12 meses, mas a valorização do câmbio também teve um papel não desprezível. De julho do ano passado a julho de 2005, o estoque de papéis corrigidos pelo dólar caiu de R$ 107,15 bilhões (14,11% da dívida em títulos do governo federal) para R$ 37,99 bilhões (4,15%), uma economia de quase RS$ 70 bilhões. O economista Guilherme Loureiro, da Tendências Consultoria Integrada, estima que o recuo da moeda americana no período explica a diminuição de R$ 23,4 bilhões desse valor, num cálculo que não leva em conta os juros pagos pelos títulos cambiais. A retirada dos papéis atrelados à moeda responde pela queda de outros R$ 45,8 bilhões do estoque, afirma Loureiro. Com essa combinação, o setor público se tornou menos vulnerável às oscilações da moeda americana. Em setembro de 2002, a parcela cambial da dívida interna atingiu 40%. Hoje, o número é de 4,15%, o que faz Loureiro dizer que deixou de ser um problema. O economista Júlio Callegari, do banco JP Morgan, concorda com Loureiro. Ele diz que uma uma alta de 20% do dólar levaria a relação entre a dívida líquida do setor público (que inclui a interna e a externa) a subir apenas de 51,3% do PIB para 53% do PIB. Segundo ele, atualmente apenas 12% da dívida líquida é afetada pelo câmbio - em 2002, no auge das incertezas provocadas pela proximidade das eleições, esse número bateu em 57,4%. A redução do endividamento externo e o aumento das reservas internacionais - levadas em conta na hora de calcular a dívida líquida - também ajudaram na melhora. Com isso, a oscilação do dólar daqui para a frente terá impacto bem mais modesto sobre as contas públicas, seja para cima, seja para baixo, segundo os analistas. Loureiro diz que o grande desafio do governo hoje é reduzir a parcela de títulos corrigidos pela Selic, que respondem por 57,32% da dívida interna. A perda de arrecadação causada pelo dólar barato, por sua vez, não preocupa os analistas, ainda que a receita de tributos vinculados à importação esteja caindo bastante. Em julho, o valor conseguido com o imposto de importação caiu 17% em relação ao mesmo mês do ano passado, deflacionado pelo IPCA. O valor do IPI vinculado à importação caiu 15,69%. O resultado decorreu da redução de 21,8% da taxa média de câmbio, o que mais do que compensou o aumento de 9,76% do valor em dólar das compras externas tributadas, e de 0,44% na alíquota média efetiva do IPI, segundo a Receita Federal. Em resumo, o valor das importações tributadas, quando convertido em reais, está menor neste ano. Mas, como esses dois impostos têm um peso modesto sobre a carga tributária total, os economistas não perdem o sono com esse movimento. De janeiro a julho, a arrecadação dos dois totalizou R$ 8,162 bilhões, R$ 346 milhões a menos que de janeiro a julho de 2004, em termos reais. Para comparar, as receitas do governo federal nos primeiros sete meses de 2005 ficaram em R$ 209,6 bilhões. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, diz que a queda dos impostos vinculados à importação tem sido compensada com folga pelo aumento de outros tributos. O Imposto de Renda, por exemplo, cresceu 10% em termos reais nesse período; o IPI total, 7,7%; a Cofins 5,06% e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, nada menos de 18,62%. Segundo ele, o crescimento da economia, ainda que a um ritmo mais baixo do que o de 2004, continua a garantir uma arrecadação significativa para o governo. Nesse cenário, a perda de receita devido ao dólar barato é pouco importante.