Título: Doleiro que diz ter operado para o PT pode frustrar CPIs
Autor: Ricardo Balthazar, Mauro Zanatta e Jaqueline Paiva
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2005, Política, p. A6

Crise Na avaliação do Planalto, Toninho Barcelona tem pouca credibilidade e Daniel Dantas é mais preocupante

Procuradores que nos últimos anos investigaram as atividades do doleiro Antonio Oliveira Claramunt, conhecido como Toninho Barcelona, acreditam que ele vai frustrar os parlamentares que esperam obter informações relevantes no depoimento que ele deverá prestar hoje, em sessão conjunta das CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos. Muitos integrantes das CPIs consideram o depoimento de Barcelona potencialmente explosivo. Ele seria capaz de apontar conexões entre o caixa dois petista, empresas abertas em paraísos fiscais e contas bancárias operadas clandestinamente no exterior, e ainda teria munição suficiente para comprometer políticos e integrantes do governo. Para os procuradores que o conhecem há mais tempo, o doleiro está blefando. "Ele sabe coisas genéricas que ouviu dizer sobre operações de amigos", diz o procurador Silvio Luís Martins de Oliveira, que iniciou um dos processos que levaram Barcelona à prisão no ano passado. "Se não tomarem cuidado, ele poderá aproveitar a chance para atirar em quem não tem nada a ver." Barcelona, que foi condenado a 25 anos de prisão por crimes contra o sistema financeiro e cumpre pena numa penitenciária de São Paulo, está fora de combate há um bom tempo. Ele começou a ser investigado em 2003 e passou boa parte do ano escondido para não ser preso. Quando conseguiu voltar a andar à luz do dia, seus telefones estavam todos grampeados e muita gente não queria mais correr o risco de fazer negócios com ele. Ele está preso desde agosto do ano passado. As informações mais valiosas que ele poderia fornecer, como datas e valores das remessas que fez para o exterior e os nomes dos seus clientes, estão disponíveis para as autoridades desde março de 2003, quando foram apreendidos computadores e documentos em sua casa de câmbio, incluindo um caderno com a tradução dos códigos usados na contabilidade do doleiro. As CPIs decidiram ouvir Barcelona por causa de uma reportagem publicada há um mês pela revista "Veja", que revelou sua disposição de falar e indicou que ele teria revelações a fazer. Numa reunião fechada organizada às pressas em São Paulo, o doleiro foi ouvido por alguns integrantes da CPI dos Correios. Ele disse que fez operações com os petistas, mas não forneceu detalhes. Barcelona aproveitou para sugerir que tivera negócios com o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Ambos negam ter operado com o doleiro. Dias depois, Barcelona viajou para Curitiba e foi interrogado por outro procurador federal, Vladimir Aras, responsável por um processo que levou à terceira condenação do doleiro no início deste ano. "Ele não acrescentou muito e não deu detalhes sobre nada", afirma Aras. O depoimento de Barcelona é aguardado com ansiedade em Brasília mesmo assim. "Ele deve falar mais porque agora ouviremos com mais tranqüilidade", prevê o presidente da CPI dos Bingos, senador Efraim Morais (PFL-PB). Um aparato especial de segurança foi planejado para a ocasião. Na avaliação do Palácio do Planalto, no entanto, o depoimento que mais preocupa nesta semana é o do banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity. Ele será ouvido amanhã pelas CPIs dos Correios e do Mensalão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus ministros mais próximos acreditam que Dantas é "imprevisível" e "articulado" e tem aliados fiéis entre os integrantes das CPIs. Para um ministro, Barcelona representa um risco menor porque não tem a credibilidade nem a articulação parlamentar de Daniel Dantas. O banqueiro foi chamado para explicar os depósitos de R$ 150 milhões feitos por companhias telefônicas controladas pelo Opportunity nas contas das agências de propaganda do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, que operou o caixa dois petista junto com o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares de Castro. As empresas de Dantas são clientes antigas das agências de Valério, mas muitos integrantes das CPIs acreditam que o dinheiro serviu para alimentar o esquema clandestino de financiamento dos partidos governistas que Valério e Delúbio criaram. "Dantas pode explicar se repassou dinheiro ao PT e esclarecer suas ligações com Valério", afirma o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), sub-relator de movimentações financeiras da CPI dos Correios. Os parlamentares também esperam ajuda de Dantas para esclarecer o papel que Valério parece ter exercido como intermediário entre o Opportunity e a Portugal Telecom, quando os dois grupos negociaram a venda da Telemig Celular, uma das companhias controladas pelo banqueiro. É provável que a disputa entre Dantas e os fundos de pensão que tentam tirar dele o controle da Brasil Telecom domine boa parte do depoimento amanhã.