Título: Canadá descarta acordo com Mercosul
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2005, Política, p. A10

Relações Externas Brasil e demais sócios estão prontos para fazer "oferta substancial" na próxima semana

O Canadá não está negociando, nem quer negociar um acordo de livre comércio com o Mercosul, avisa o Ministério de Comércio Internacional canadense, embaralhando ainda mais a estratégia comercial do governo brasileiro. A posição canadense antecede nova rodada de discussão bilateral na semana que vem, em Ottawa, na qual Brasília colocava muita esperança de avanços. Para atrair o Canadá para um acordo independente da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o bloco do Cone Sul preparou-se para oferecer a Ottawa o dobro da liberalização que tinha prometido às empresas canadenses na Alca. Pela disposição do Mercosul, a apresentação das ofertas iniciais de liberalização de bens, serviços e investimentos já poderia ocorrer na reunião dos dias 27 e 28, na capital canadense. "Não há porque ficar de braços cruzados, enquanto a Alca estiver suspensa", afirmou Regis Arslanian, chefe do Departamento de Negociações Comerciais Internacionais do Itamaraty. "Podemos queimar etapas e avançar a negociação rapidamente com o Canadá. Estamos prontos a fazer uma oferta inicial substancial." Em Ottawa, porém, a disposição não é a mesma. "Há uma confusão", disse, por telefone, o porta-voz do Ministério de Comércio Internacional do Canadá, André Lemay. "Queremos reforçar as relações comerciais, mas o instrumento para isso é a Alca. Essa é nossa prioridade. O Brasil demonstra desejo de o Mercosul ter um acordo bilateral com o Canadá, mas esse não é o desejo do Canadá no momento." O que está ocorrendo é um "conflito conceitual" sobre a discussão bilateral, segundo um diplomata do Mercosul. Isso vem do comunicado lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo primeiro-ministro Paul Martin, em outubro do ano passado, em Brasília. O comunicado diz que o Mercosul e o Canadá começariam a negociar "melhora no acesso ao mercado em bens, serviços e investimentos no contexto de criação de uma futura Alca". Foi a linguagem encontrada pelas diplomacias para refletir disposições distintas. Como publicou o Valor em fevereiro deste ano, o Mercosul queria iniciar negociações com o Canadá para um acordo bilateral de livre comércio que o governo brasileiro gostaria de ver como modelo de tratado a ser sugerido pelos países do Cone Sul aos Estados Unidos. No entanto, para o Canadá só havia dois modelos: Alca ou Nafta (acordo EUA-Canadá-México). No primeiro, o que for acertado com o Mercosul só será realmente fechado com a criação do bloco hemisférico - ou seja, vai demorar muito. No segundo caso, o Mercosul teria de aceitar o modelo Nafta e negociar também regras mais rígidas para proteção de propriedade intelectual, compras governamentais e outros temas sensíveis, que o Brasil recusa discutir. "O primeiro-ministro Paul Martin insistiu, em conversa com o presidente Lula, que a discussão era dentro da Alca, não independente", admite um diplomata brasileiro. Só que o sentimento geral dado pelos negociadores era que um acordo de livre comércio estava sendo negociado com o Canadá, quando Ottawa na verdade freava até a linguagem. A princípio, os canadenses só queriam se referir a "diálogo" com o Mercosul, conta um negociador. Somente em julho é que Ottawa começou a aceitar o termo "negociação". Segundo um negociador do Mercosul, os canadenses argumentaram que precisariam de um mandato dos outros ministérios e fazer consulta pública para eventualmente acelerar a negociação. Foi quando "sentimos que eles podiam partir para um terceiro modelo", fora de Alca ou Nafta, segundo um diplomata brasileiro. A resposta do Ministério de Comércio Internacional ao Valor, porém, deixa claro que os canadenses não mudaram e nem pretendem mudar de atitude. O fato é que o lado canadense está a passos de tartaruga na preparação para negociar com o Mercosul seja o que for. Não há mandato para ampliar a discussão. A lentidão se explica também pela difícil situação do governo minoritário de Paulo Martin. É dado como certo que haverá eleições entre janeiro e março do ano que vem e a burocracia age com mais cautela. Além disso, a expansão de negócios com o Mercosul é muito mais forçada por decisão estratégica do governo do que por interesse do empresariado canadense. Esse setor se divide entre os protecionistas do Quebec, que não querem nem ouvir de liberalizar os setores de carnes, ovos e leite, e os que estão sentados confortavelmente, contentes em atravessar a fronteira e vender tudo para os Estados Unidos. Nada menos de 85% das exportações canadenses vão para os EUA. É nesse cenário que a embaixada brasileira no Canadá organizará um seminário no dia 26, em Toronto, para tentar quebrar a apatia do setor privado e sensibilizá-lo sobre o potencial de negócios novos com um acordo Mercosul-Canadá. O Canadá já exporta para o Brasil mais do que para a Rússia ou Índia. Mas é o Brasil que tem saldo bilateral, de US$ 1 bilhão no comércio de US$ 1,7 bilhão. Além disso, a agenda comercial canadense nos últimos meses foi concentrada no conflito com os EUA sobre a exportação de madeira serrada, que sofre sobretaxa de 27% e já sangrou os bolsos dos exportadores canadenses em US$ 4 bilhões nos últimos três anos. Outro foco da política comercial canadense é a China, a quem quer vender mais para reduzir o déficit comercial de US$ 10 bilhões.